sábado, 24 de outubro de 2015



25 de outubro de 2015 | N° 18335 
CLÁUDIA LAITANO

Casal de novela


O primeiro casal que conheci era muito amoroso e solícito comigo, mas, entre si, não era muito adepto dos PDAs (públicas demonstrações de afeto). Meus pais eram definitivamente um casal, tinham o mesmo sobrenome, moravam na mesma casa, dormiam no mesmo quarto – e não eram muito diferentes de tios, vizinhos e outros conhecidos no quesito romantismo. Todos pareciam já ter nascido adultos, casados e com responsabilidades como filhos, trabalho e carnê na JH Santos para pagar.

O sentido do amor e do casamento jamais seria uma das minhas preocupações pré-escolares se Glória Menezes e Tarcísio Meira não entrassem todos os dias na nossa casa para sugerir que um outro tipo de amor era possível. Um amor com trilha sonora, sofrimento e êxtase – e sem filhos ou contas a pagar empatando o clima de romance. Eles também eram um casal, mas de um jeito, digamos, mais arrebatado. Meus pais até trocavam umas bicotas de vez em quando, rápidas e funcionais, mas nada parecido com o que Glória e Tarcísio faziam na TV. Pelo menos não na minha frente.

Comparando o comportamento dos casais de novela com o dos adultos que eu conhecia na época, cheguei a uma conclusão óbvia: beijo apaixonado era como empregada de uniforme e balde de gelo sempre abastecido na sala – uma mentirinha de novela que até eu, do alto dos meus seis anos, era capaz de desmascarar sozinha analisando as evidências. Bastou um casal de namorados despedindo-se no portão do edifício – sem trilha sonora, mas com ardor de último capítulo – para que a minha instável compreensão do mundo adulto sofresse nova reviravolta. Seria o beijo apaixonado um estágio antes da bicota protocolar dos casais casados ou amores de novela e amores domésticos seriam como espécies diferentes de um mesmo gênero?

Não devo ser a única criança dos anos 70 que encara Glória e Tarcísio como se eles fossem membros de uma espécie de família estendida – que inclui, além deles, toda essa gente que nos visitava à noite depois do Jornal Nacional: Regina Duarte, Francisco Cuoco, Lima Duarte, Paulo Gracindo, Dina Sfat, Yoná Magalhães... Eles não deveriam morrer. Nossos pais não deveriam morrer. Talvez por isso ver Tarcísio Meira esta semana na TV, com lágrimas nos olhos, lamentando a morte da amiga Yoná, tenha sido tão comovente – as lágrimas de um homem velho são sempre as lágrimas dos nossos pais, como as lágrimas de uma criança são sempre as dos nossos filhos.

Glória e Tarcísio envelheceram, mas continuam encarnando um ideal romântico raro na vida real – o do amor que perdura. Vê-los ainda juntos, por alguma fantasia de constância e estabilidade que trazemos da infância, nos conforta e tranquiliza. Meus pais, por sua vez, hoje vivem e revivem todas as cenas, as românticas e as mais banais, em um cenário de sonho e imaginação onde ninguém envelhece ou fica doente e o amor nunca acaba. São eles agora que parecem um casal de novela.