quinta-feira, 22 de outubro de 2015



22 de outubro de 2015 | N° 18332 
DAVID COIMBRA

Maria


Marias importantes voltarão. Falo de Maria do Carmo, de Maria da Paixão. Nomes bonitos. Bem sei que essas são coisas da moda. Cada época e lugar tem seu estilo de nome. Classe social também influencia. O rico pode botar nome simples no filho. João. Não tem problema. Quando crescer, o rapaz será dono daquela firma ali. Já o pobre passa mais trabalho. Ele não quer que o filho seja qualquer um, que é o destino da maioria dos pobres. Então, precisa ser inventivo. Donde, os complexos nomes dos meninos de pé no chão do Brasil, em geral com sotaque americano. Muito ipsilone, muito cá, muito dábliu. Welklerson.


Quero dizer que isso, de estrangeirizar o nome do filho, é uma estratégia bastante inteligente de pais pobres. Eu, se minha mãe não tivesse amarrado o segundo dê no i do meu nome e eu fosse um desses Davis com pouco elã e pouca consoante que andam por aí, eu teria, agora, muita dificuldade, aqui nos Estados Unidos. O dê extra me dá naturalidade intercontinental. Aí sou Davi; aqui, Dêividi. Tudo bem lá e cá.

Então, concordo com todos os Washingtons dos morros do Rio e os Jeffersons das vilas de Porto Alegre e os Lincolns das periferias tantas. Se no futuro eles trocarem de hemisfério, não haverá estranhamento. Eles têm nomes de presidentes. Eu, de rei.

Mas falava das Marias. De minhas relações, lembro-me de uma única Maria do Carmo: a colega apresentadora de TV, uma das mulheres mais sorridentes e encantadoras que conheci. O que talvez prove a graça do nome. Aliás, algumas Marias são, exatamente, da Graça, o que acho quase tão bonito quanto do Carmo e da Paixão.

Há miríades de Marias no Brasil. Minha mãe, mesmo: Maria. Mas não usa. É sempre só Diva, nunca Diva Maria. É que, quando Maria entra em segundo, fica meio clandestino. Silvia Maria, Alice Maria e Luísa Maria são apenas Silvia, Alice e Luísa, o Maria elas omitem.

Por isso, Maria tem de estar lá na frente. Com toda a razão: trata-se do maior nome da cristandade, a mãe de Jesus, a Deusa substituta de todas as deusas antigas. A nossa Cibele. A nossa Ísis. A nossa Magna Mater. Um símbolo da maternidade até para os descrentes. É ela a Lacrimosa. É ela a Pietà. E, sendo Lacrimosa, sendo Pietà, ela é da Paixão.

Maria da Paixão.

Uma vez, conheci uma. Ontem, um velho colega do segundo grau enviou-me um e-mail e citou-a de passagem. Então, lembrei. Estávamos no pátio, eu nunca tinha conversado com ela e, depois de uma troca de frases, perguntei-lhe o nome. Ela respondeu:

– Meu nome é Maria da Paixão.

Aquilo me fez estremecer. Ela me olhava firme com seus olhos que talvez fossem negros ou verdes ou meio azulados, não duvido até que fossem castanhos. Seus cabelos, possivelmente loiros, ou não, provavelmente esvoaçavam. E é certo que era atraente, isso, sim, é certo. Mas o que importou mesmo foi a forma como ela disse o que disse. “Meu nome é Maria da Paixão.” 

Considerei algo poderoso. Não pensei na Paixão de Cristo, admito. Pensei na paixão de ardores. Uma Maria que inspirava paixão. O que mais ela falou? O que falei para ela? O que houve com Maria? Não sei. Só sei que ainda hoje recordo o jeito como ela pronunciou aquele nome. Era mais do que uma apresentação. Era um título. Quase uma afronta.

– Meu nome é Maria da Paixão. Salve, Maria, eu devia ter dito. Ave, Maria.