terça-feira, 20 de outubro de 2015



20 de outubro de 2015 | N° 18330 
DAVID COIMBRA

Dilma está sozinha


Talvez nos falte, a nós, brasileiros, um tanto de profundidade na avaliação da personalidade de Dilma Rousseff. É falha grave, porque se trata de algo importante, num país presidencialista, a personalidade do presidente. Entrevistei-a algumas vezes, antes de ela se eleger presidente e depois também. De uma coisa tenho certeza a seu respeito: ela não é burra, como muitos querem fazer acreditar.

É claro que a oratória não é a melhor qualidade de Dilma. Ela se atrapalha quando verbaliza o que pensa – o que não significa que pense errado. O famoso discurso do estoque de vento, por exemplo. Seus defensores descobriram que existem tecnologias futuristas que viabilizam o tal estoque de vento e argumentaram que isso prova o acerto de Dilma. Por favor! Esse é um argumento infantil, de discussão de boteco. 

Dilma não fez um pronunciamento à frente do seu tempo, graças aos seus avançados conhecimentos tecnológicos. E tampouco pretendia falar em “estoque de vento”, propriamente dito. Queria falar em estoque “da energia produzida pelo vento”, e se expressou mal. Para usar um termo amado pela minha amiga Cláudia Laitano: simples assim.

Outro discurso de Dilma que roçou o ridículo, o da saudação da mandioca, também tem fundamento, se o ouvinte usar da boa vontade. Os índios brasileiros que vivem como índios, em ocas no meio do mato, sobrevivem por causa do cultivo da mandioca. Era isso que ela queria dizer. Agora, é evidente que algum assessor um pouco mais esperto poderia ter-lhe advertido que “saudar a mandioca”, no Brasil, pegaria mal.

E o que me intriga. Não há ninguém com ascensão suficiente sobre Dilma para lhe dizer que ela só deve se manifestar de público em discursos escritos previamente? Seus assessores são tão ruins? Ou as pessoas sentem medo dela?

As respostas a essas perguntas diriam muito sobre o futuro do Brasil. Porque agora Dilma parece estar sozinha, ela e suas deliberações. É a mais densa solidão do poder que enfrentou um presidente brasileiro desde Getúlio em 1954. Os aliados se voltam contra ela. Os maiores críticos da condução econômica do governo são, incrivelmente, os petistas. Os líderes do PT pedem a saída de Joaquim Levy da Fazenda, alegando que a contingência de gastos proposta por ele não se coaduna com as crenças do partido.

Isso é uma falsidade e uma traição. Lula foi eleito em 2002. Até ele de fato começar a governar, essa entidade sensível que é “O Mercado” ficou nervosíssima, o dólar inflou-se aos R$ 4 de hoje, o desemprego pulsou, a inflação lambeu os dois dígitos, era uma condição muito parecida com a de agora. A reação de Lula não foi a de fazer um ajuste como Dilma propõe: o ajuste dele foi muito mais rigoroso. Foi ortodoxo, conservador, neoliberal de raiz. E, entre os condutores, lá estava ele: Joaquim Levy. Sim: Joaquim Levy foi secretário do Tesouro Nacional de 2003 a 2006.

Por que, então, os petistas atacam Dilma? Por causa da conveniência política.

Os petistas querem ficar associados aos anos de fartura, não aos de escassez. Dilma, assim, se torna alvo da oposição, que ambiciona tomar o seu lugar, e do seu próprio partido, que almeja se distanciar da imagem da presidente, sem se distanciar dos cargos no governo.

Dilma está isolada. E tem resistido com bravura. Apesar de seus discursos confusos, apesar do seu primeiro mandato irresponsável, apesar da irritante tolice de querer ser chamada de presidenta, ela está sendo sensata em meio a tanto desvario. Sensata e sozinha. E, espero, firme.