quinta-feira, 27 de junho de 2019


27 DE JUNHO DE 2019
DAVID COIMBRA

O lado obscuro de Porto Alegre


Era muito desagradável quando uma facção precisava matar alguém dentro do Presídio Central de Porto Alegre. Não que os presos tivessem pruridos de cometer assassinatos. Nada disso. Afinal, eles são profissionais. O problema era a parte da desova. Para isso, após o "passamento", eles primeiro esquartejavam o corpo e depois o desossavam. Em seguida, a carne era queimada. As sobras eles enterravam no pátio ou escondiam em nichos cavados nas paredes das celas. Já a cabeça, maior e mais incômoda, não raro alguém atirava por cima do muro da cadeia, como se fosse uma bola de futebol.

Esse processo causava dissabores. Em primeiro lugar, porque demandava um trabalho estafante e sujava o ambiente. Em segundo, porque empesteava o prédio com o cheiro da putrefação. Em terceiro, porque chamava a atenção da polícia, quando algum pedaço do corpo era descoberto.

Um dia, porém, alguém teve uma ideia genial. Esse preso anônimo e brilhante criou uma revolucionária forma de matar. Fez-se assim: de madrugada, quando todos dormiam, um grupo cercou a vítima e a enrolou em diversos cobertores. O coitado ficou manietado feito uma linguiça. O passo seguinte foi obrigá-lo a ingerir uma superdosagem de alguma droga. No momento em que ele entrou em surto, um saco plástico foi amarrado em sua cabeça, impedindo-lhe a respiração. O homem urrou de desespero, mas nem se debater ele conseguia, devido aos cobertores. Em pouco tempo, estava morto.

Desta maneira foi inventado o coquetel da morte chamado, no Central, de "Gatorade". É bastante engenhoso, por ser limpo, fácil, rápido e, o melhor de tudo, não despertar a curiosidade das autoridades, já que o falecimento se deu por uma inocente overdose e o corpo não apresenta marcas de violência.

Essa é uma das tantas histórias contadas em Presídio Central, romance de estreia do gaúcho Gabriel Michels. É um livro pequeno, 150 páginas. Gabriel, que é publicitário, ouvia relatos de gente que havia sido presa no Central e decidiu, com eles, compor uma narrativa que mistura ficção com realidade. Funcionou. O texto de Gabriel tem fluidez e boa velocidade. Mas o mais interessante é a ambientação da história: Porto Alegre é, na prática, o principal personagem de Presídio Central. Não a Porto Alegre das festas coruscantes, das belas mulheres e dos bares animados, e sim a Porto Alegre sombria, a Porto Alegre do crime e do medo, onde se troca uma vida por uma pedra de crack.

A leitura de Presídio Central já vale para se conhecer um pouco desse lado obscuro da capital de todos os gaúchos. Vale mais ainda porque é bem escrito. Procure o livro. Leia-o. Você vai gostar. Mas talvez se assuste com certos esgares da antiga Cidade Sorriso.

DAVID COIMBRA

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