sábado, 29 de junho de 2019



29 DE JUNHO DE 2019
CARPINEJAR

O x da questão

O gaúcho é apaixonado por pão. O churrasco apenas tem sentido com pão de alho. Quem é de fora não vai entender. Sem a entrada, o sabor da picanha se esvai, a costela não tem a mesma realeza.

O pão de alho não é um acessório, mas um protagonista da churrasqueira, um familiar gastronômico tão importante quanto o salsichão. Não há como dispensá-lo da tertúlia dos espetos. Sua ausência provocará imediato boicote e sucessivas vaias.

Gaúcho molha o pão na sopa, molha o pão no café com leite, molha o pão na massa para limpar a porcelana, molha o pão na feijoada para pescar o baio.

O pão é um segundo garfo. Um talher de nossa ansiedade. Tanto que existe a tradição imperiosa do xis nos pampas. Em vez do hambúrguer, priorizamos esse banquete portátil.

É colocar tudo dentro do pão e prensar. É a principal refeição das madrugadas gaudérias quando os restaurantes estão fechados.

Quem já não saiu de uma festa ou de um jogo de futebol ou de um show e foi matar a fome num trailer de sua preferência? Se não fez isso ainda, não pode ser chamado de gaúcho.

O xis é um PF (prato feito) no pão. Um prato de caminhoneiro no pão. Um prato de estivador no pão. É o equivalente ao tropeiro mineiro, só que condicionado entre duas fatias.

Trata-se de uma variação escandalosa do portenho choripán. Uma dissidência carnavalesca e carregada de elementos da versão econômica de nossos co-irmãos.

O mais conhecido é o salada: carne, ovo, tomate, alface, maionese, milho. Mas pode homenagear todos os menus, de strogonoff com batata palha a lasanha com camadas de queijo e presunto.

Num mero sanduíche, repete-se as etapas de um rodízio de carne. Assim o vivente tem a oportunidade de comer um x-coração ou um x-lombo e sentir de volta o gostinho do fogo de chão no céu da boca.

A mordida requer malabarismo. Não se deve mastigar de qualquer jeito para não desmoronar a obra de arte. Os incautos correm o risco de perder o recheio na primeira dentada. Os joelhos necessitam de afastamento, os braços pedem a posição concentrada de mesa, e, de modo nenhum, recomenda-se virar os olhos para o lado. Apreciá-lo depende essencialmente de foco: não dá para conversar e comer ao mesmo tempo. O alimento é muito sensível ao deslizamento.

Quando alguém devora um xis, a sensação é que ele está rezando. Agradecendo a Deus por morar no Rio Grande do Sul.

CARPINEJAR

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