sábado, 23 de maio de 2020



23 DE MAIO DE 2020
DIÁRIO DO FRONT

Uma rotina de altos e baixos

Três profissionais da Saúde da Capital contam, a convite de GaúchaZH, suas experiências e desafios no combate à covid-19

Projeto de GaúchaZH que apresenta os desafios e a superação de três profissionais de saúde na linha de frente do combate à pandemia de covid-19, o Diário do Front também contempla cenas da vida privada dos participantes. Enfermeira intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Isis Marques Severo, 40 anos, costuma incluir o filho, João Miguel, três anos e nove meses, em seus depoimentos.

Dias atrás, quando ela almoçava com o menino e o marido, o pequeno propôs:

- Vamos brindar, gente? Os três ergueram os seus copos com suco. - Saúde! - disse João Miguel. Isis aproveitou para refletir:

- Saúde é pelo que mais agradecemos e também o que pedimos todos os dias.

Também participam do Diário do Front o infectologista André Luiz Machado da Silva, 43 anos, do Hospital Nossa Senhora da Conceição, e a médica intensivista Roselaine Pinheiro de Oliveira, 53, do Hospital Moinhos de Vento.

A íntegra dos depoimentos pode ser acompanhada no site gauchazh.com. O programa Gaúcha +, que vai ao ar na Rádio Gaúcha, também destaca os relatos dos profissionais, sempre de segunda a sexta-feira, a partir das 16h05min.

Roselaine Pinheiro de Oliveira 53 anos, médica intensivista, chefe do Serviço de Medicina Intensiva Adulto do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre

"O filho encostou a cabeça no vidro e chorou compulsivamente"

Tratar pacientes com covid-19 tem proporcionado uma experiência especialmente importante com relação ao manejo não só do doente, como dos familiares. Lembro-me bem de um paciente que, logo no início da internação, recebeu a primeira visita do filho.

Diante daquele quadro de uma pessoa que foi surpreendida por uma doença infecciosa viral grave, o filho, quando olhou o pai, da porta do boxe, encostou a cabeça no vidro e chorou compulsivamente.

Fui ali para ver o que estava acontecendo. Durante quase cinco minutos, não consegui abordá-lo. Esperei, deixei que ficasse naquele momento de total introspecção, tristeza e desespero. No momento em que julguei necessário, perguntei se ele queria sentar. Ele disse que não queria ficar sentado. Depois, me apresentei, disse que eu era uma das médicas do CTI. Conversamos um pouco. Esse paciente foi melhorando. Reencontrei o filho dele na semana passada. Aí, conversamos em uma outra condição.

- Você se lembra daquela primeira vez? - perguntei.

- Foi horrível - ele respondeu, explicando que não recordava dos detalhes.

Tivemos uma conversa bem mais tranquila. Ele já estava sorrindo.

Me preocupa bastante que as pessoas estejam com medo de ir para o hospital por causa da covid-19. Os hospitais estão preparados para atender todos os pacientes. Pessoas doentes, com suspeita ou não de covid-19, têm que receber atendimento. Os hospitais estão preparados. Imagine alguém que tem outra doença e não vai ao hospital - essa pessoa pode falecer.

A covid-19 realmente é muito grave, abala muito, como abalou esse filho de que falei aqui, mas existem outras doenças também. É muito importante passar essa mensagem."

André Luiz Machado da Silva 43 anos, infectologista do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre

"Acredito que sofreremos com mais casos por um período maior"

Ontem foi um dia muito triste para o Brasil. O país registrou mais de mil óbitos por covid-19 em 24 horas. Mais precisamente, 1.179 mortes. Juntou-se a apenas outros quatro países (EUA, França, China e Reino Unido) que alcançaram essa triste marca em um único dia. Isso demonstra que a doença está em plena atividade. Apesar dos cálculos matemáticos e das tendências estatísticas e epidemiológicas apontarem o pico para os próximos sete dias, e a partir daí a estabilização da curva até julho - antes de uma diminuição no número de casos -, acredito que sofreremos com mais casos por um período maior. O Brasil vem disponibilizando mais testes diagnósticos, e, consequentemente, mais pessoas serão diagnosticadas com essa doença. Em mortes, há tendência também de aumento. Temos que manter a etiqueta respiratória, a higienização das mãos, o uso de máscaras e, principalmente, o distanciamento social, na medida do possível. O Rio Grande do Sul vem trabalhando de uma forma muito lúcida o distanciamento controlado. Na minha opinião, isso está correto, mas não deve servir para que modifiquemos a nossa postura. É uma doença hostil, que nos surpreende. Não devemos baixar a guarda, mesmo que o nosso Estado apresente números bem abaixo do que é visto em outros lugares."

Isis Marques Severo 40 anos, enfermeira do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

"Alta de dois idosos em um final de semana é de se comemorar"

O quadro clínico dos pacientes com covid-19 se instabiliza muito rapidamente. São muitos pacientes graves, juntos, em uma unidade. Na nossa rotina normal, fora da pandemia, temos pacientes com essa gravidade, mas intercalados com outros vários em estado regular. Agora, estamos nos deparando com o aumento da quantidade de pacientes graves, a maior parte entubados, em ventilação mecânica, sedados, muitos com falência renal.

Temos percebido um aumento do número de pacientes internados de Porto Alegre, da Região Metropolitana e do Interior. Mas também já vimos pacientes vindos de outros Estados. A Enfermagem está reorganizando seus processos de trabalho, refazendo fluxos, capacitando toda a equipe para dar conta da pandemia. Temos um número elevado de novos profissionais no grupo sendo capacitados. São muitos desafios.

A melhor notícia do dia foi que minha paciente de 78 anos teve alta do CTI para a unidade de internação no final de semana. Outro paciente, de 77 anos, também foi transferido para a Enfermaria.

A alta de dois pacientes idosos em um final de semana é de se comemorar. E os dois estiveram em estado muito grave e em ventilação mecânica por bastante tempo. Hoje estão no quarto.

Quando cheguei em casa, almocei com meus amores. João Miguel, meu filho, falou:

- Vamos brindar, gente? Brindamos com suco, e ele disse:

- Saúde! Saúde é pelo que mais agradecemos e também o que pedimos todos os dias."

LARISSA ROSO

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