sexta-feira, 22 de maio de 2020


22 DE MAIO DE 2020
ARTIGOS - Médico infectologista rcamposhallal@gmail.com

IMUNIDADE DE REBANHOE DESVALOR À VIDA


Alguns experts e influenciadores sugerem que a única forma de conter a pandemia da covid-19 seria o desenvolvimento da imunidade de rebanho, tese frequentemente evocada como contraponto ao isolamento social.

Nesta hipótese, a produção de anticorpos em decorrência da exposição à doença tornaria parte da população imune, impedindo a propagação. A proporção necessária de pessoas com anticorpos para atingir imunidade de rebanho é estimada a partir do número de transmissões propagadas por um indivíduo infectado. No caso da covid-19, uma pessoa transmite em média para outras duas a três, estimando-se que seria preciso que 60 a 70% da população estivesse imune para se atingir a imunidade de rebanho.

Os resultados da terceira fase do estudo coordenado pela UFPel estimam que apenas 25 mil pessoas (0,22% da população) possuam anticorpos contra a covid-19 no RS. Seria preciso que quase 8 milhões de gaúchos se expusessem ao novo coronavírus: considerando que a letalidade estimada varia entre 0,23% e 0,87% no RS, seriam previstas entre 18 mil e 70 mil mortes para que 70% da população desenvolvesse anticorpos.

Por outro lado, existem incertezas quanto à efetividade e à durabilidade dos anticorpos produzidos após a exposição. Também não se conhece a gravidade clínica em decorrência de novas exposições. Além disso, caso ocorra adoecimento simultâneo do número necessário de suscetíveis para atingir imunidade de rebanho, a quantidade de mortes seria ainda maior pela impossibilidade de atendimento a todos doentes.

Portanto, responder a esta epidemia centrando-se na imunidade de rebanho carece de evidências científicas sólidas, é ineficaz no impacto à mortalidade e é perverso, pois propõe a eliminação de parte da população. Por outro lado, o isolamento social reduz a exposição até que seja desenvolvida terapia ou vacina eficaz que produza imunidade coletiva, preservando vidas.

Propor a adoção da imunidade de rebanho para responder à covid-19 significa a falência da ética e da solidariedade. Seria adotar uma estratégia de eliminação seletiva da população, sobretudo daqueles mais vulneráveis, como idosos, portadores de doenças crônicas, carentes de renda, usuários de transporte coletivo e moradores de favelas. Justamente aqueles que deveriam ser mais protegidos seriam os desaparecidos pela "teoria da morte", a qual desvaloriza a vida.

RONALDO HALLAL

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