sábado, 16 de maio de 2020



16 DE MAIO DE 2020
POLÍTICA +

Bolsonaro tritura ministros que ousam não dizer amém

Três demissões em 28 dias e uma coisa comum entre os ministros que saíram: todos ousaram não dizer amém aos delírios do presidente Jair Bolsonaro. Preocupados em salvar suas biografias, Luiz Henrique Mandetta (foto ao lado), Sergio Moro e agora Nelson Teich (acima) escolheram formas diferentes de se despedir da Esplanada. Todos foram sacrificados no altar do Planalto porque não se submeteram às ordens de um presidente voluntarioso que se coloca acima da ciência, da Constituição e, não raro, da civilidade.

Político, Mandetta sabia que sua popularidade era maior do que a do presidente e, em vez de se abalar com a fritura, resistiu para forçar Bolsonaro a demiti-lo. Saiu com o prestígio intocado e, fora do poder, segue orientando governadores e dando entrevistas em português e inglês com mais desenvoltura do que quando estava preso ao cargo. Pelo Twitter, comentou a saída do sucessor em apenas 42 caracteres (a rede social permite 280 por post): "Oremos. Força SUS. Ciência. Paciência. Fé!".

Com Moro não foi muito diferente o processo de desgaste na relação, mas os desdobramentos da saída ainda não terminaram. Contrariado com a interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, o ex-juiz caiu atirando. Acusou o presidente de tentar usar a máquina do Estado para proteger filhos e amigos investigados e forneceu o roteiro para a apuração que está em curso e que expôs os maus modos do chefe e de colegas na reunião ministerial gravada em vídeo.

Teich não completou um mês no cargo. Desde o primeiro dia, parecia um peixe fora d?água. Nunca se mostrou à vontade, mas sua permanência se tornou insustentável quando percebeu que estava sendo desrespeitado por Bolsonaro. Soube pela imprensa que, sem consultá-lo, o presidente declarou salões de beleza, barbearias e academias de ginástica como atividades essenciais. Era a grife com CRM em um ministério no qual o presidente instalou militares em todos os postos principais. O médico sorumbático que, ao contrário de Mandetta, nunca sorria, se despediu com elegância.

Nos menos de oito minutos de seu pronunciamento derradeiro, não explicou o pedido de demissão. Disse apenas que a vida é feita de escolhas e que escolhera sair. Agradeceu a Bolsonaro pelo convite e, para surpresa geral, disse que faltava essa experiência de SUS em sua carreira. Outro talvez quisesse apagar do currículo tal passagem.

Teich disse que deixou pronto um plano de trabalho para auxiliar prefeitos e governadores a definir os próximos passos. Em sua derradeira manifestação, homenageou os profissionais de saúde que estão "lá na ponta" salvando vidas.

aliás

Seja quem for o substituto de Nelson Teich, é grande o risco de ser desmoralizado se trocar os pés pelas mãos e adotar medidas sem base científica. Com aval do Supremo Tribunal Federal, governadores e prefeitos não precisam seguir a cartilha do governo federal em relação ao isolamento. O uso da cloroquina continuará sendo decisão dos médicos, que já prescrevem o medicamento com a concordância dos pacientes.

No dia em que nelson Teich assumiu o ministério da saúde, o Brasil ultrapassou a barreira das 2 mil mortes. Vinte e oito dias depois, foram 824 em 24 horas, 2.417 nos últimos três dias e um total de 15.305 vidas perdidas para o coronavírus em dois meses, sem contar os que são enterrados sem diagnóstico.

ROSANE DE OLIVEIRA

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