sábado, 30 de maio de 2020



30 DE MAIO DE 2020
COMPORTAMENTO

NEM TODOS APRENDERÃO COM A ATUAL EXPERIÊNCIA

Luciano Marques de Jesus, Filósofo e professor, coordenador do curso de Filosofia da PUCRS

A MORTE PARECE MAIS PRÓXIMA EM UMA PANDEMIA. COMO ESSA EXPERIÊNCIA PODE NOS INFLUENCIAR?

Nossa sociedade nega a morte. Por um lado, a morte é tabu. Por outro, é banalizada e espetacularizada. Se há uma pessoa doente na família, a palavra morte é proibida, nos programas policiais vespertinos é vulgarizada e, não raro, comemorada. Na área da saúde a palavra não existe. As pessoas não morrem, evoluem a óbito. Tudo isso talvez porque, para muitos, a morte represente a derrota última. Mas a pandemia nos confronta com a morte! 

Deveríamos aprender com Rubem Alves que a consciência da morte nos torna mais libertos, preocupados com aquilo que efetivamente importa, que vale a pena dar valor. Se morrêssemos hoje, qual o significado de toda a preocupação de ontem? Vale a pena dar a importância a tantas inquietações? Talvez pouca coisa nos seja necessária, talvez uma só! Curioso ser humano! O único animal que sabe que vai morrer e vive como se nunca fosse morrer. Tomara que saiamos dessa experiência dando maior valor à vida. Essa é uma oportunidade que temos. Infelizmente, nem todos vão aproveitá-la.

O SENHOR É UM ESTUDIOSO DA LOGOTERAPIA, QUE PRECONIZA QUE A CHAVE INTERPRETATIVA DO SER HUMANO É A VONTADE DE SENTIDO, E NÃO DE PRAZER OU PODER. A LOGOTERAPIA SURGIU QUANDO SEU FUNDADOR, VIKTOR FRANKL (1905-1992), REFLETIU SOBRE SUA EXPERIÊNCIA NOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO NAZISTAS. O QUANTO EXPERIÊNCIAS DRAMÁTICAS (COMO UMA PANDEMIA) PODEM NOS MOSTRAR O SENTIDO DA VIDA?

A logoterapia propõe que o motor da vida humana, a verdade que sempre volta é a vontade de sentido. A questão do sentido persegue o fundador da logoterapia desde sua juventude, quando, numa aula de história natural, o professor ensinava que a vida pode ser reduzida a dois processos, oxidação e combustão. O jovem Frankl questiona: se é assim, que sentido tem a vida? O campo de concentração foi o terrível laboratório que validou as intuições de Frankl, mostrou que as chaves interpretativas de Freud (prazer) e Adler (poder) são insuficientes para mostrar o motivo por que as pessoas continuariam a dizer sim à vida, não obstante todo o horror que as circunvizinhava. A teimosa vontade de fazer que a vida faça sentido, essa é a chave interpretativa do ser humano segundo a logoterapia. Freud tinha a ideia que, se todos fossem submetidos aos seus instintos, por exemplo, se todos passassem fome, seriam iguais. O campo de concentração e outras situações de extrema crise, como essa pandemia, mostram o contrário: trazem a lume a emergência do que há de mais elevado, nobre e sublime no ser humano e, também, o que há de mais baixo, asqueroso e abjeto; ou, na dura expressão de Frankl, a emergência do porco e do santo.

MUITO SE TEM DITO QUE TODOS SAIREMOS DA PANDEMIA TRANSFORMADOS EM ALGUM SENTIDO. HÁ QUEM DIGA QUE SEREMOS MENOS INDIVIDUALISTAS. O SENHOR CONCORDA COM ESSA IDEIA?

Mais do que concordar, eu torço para que isso aconteça! No entanto, não podemos nos iludir, já durante a epidemia temos visto emergir o que há de melhor e de pior no ser humano. Muita solidariedade e voluntariado, mas também oportunismo, golpes e manifestações de interesses egoístas. Penso que a vida pós-coronavírus tem tudo para ser melhor, mas nem todos aprenderão com a experiência. Mario Sergio Cortella afirma que a ocasião não faz o ladrão, ela apenas o revela! Vamos aguardar para ver quais revelações o futuro nos revelará.

TEMOS VISTO ALGUMA VIRULÊNCIA NO DEBATE PÚBLICO, E NÃO SÓ NO CAMPO POLÍTICO. O NEGACIONISMO À PANDEMIA SE ALINHA A ISSO À MEDIDA QUE SUGERE INTERPRETAÇÕES RASAS E PRÉ-CONCEBIDAS DO MUNDO. O QUANTO ESSA SITUAÇÃO DE CONFLITO PODE SER AFETADA POR ESTE MOMENTO DE CRISE E ISOLAMENTO DAS PESSOAS?

O cientista e professor Marcelo Gleiser, perguntado por um aluno da Especialização em Filosofia e Autoconhecimento da PUCRS sobre o que ele pensava a respeito da volta do terraplanismo, respondeu com uma palavra: triste! É uma tristeza ver menosprezo pela ciência, negacionismo, movimento contra as vacinas. De um lado, essas visões equivocadas - não gosto do adjetivo "medievais", ele é ofensivo, mas para a Idade Média! - podem prejudicar o combate ao vírus, mas também torço para que sejam desmascaradas. É impressionante a capacidade brasileira de politizar e ideologizar uma pandemia! Sobre a defesa do uso de medicações específicas por pessoas que passam longe da área da saúde, só resta o meu estarrecimento. De uma velha canção portuguesa, citada pelo saudoso senador Jefferson Peres: "Tudo isto existe; tudo isto é triste; tudo isto é fado!".

 DANIEL FEIX

Nenhum comentário:

Postar um comentário