segunda-feira, 14 de dezembro de 2015


14 de dezembro de 2015 | N° 18385 
DAVID COIMBRA

A nossa maior derrota

O que nós realmente perdemos, nos vinte e poucos anos que separam o pedido de impeachment de Collor do de Dilma, o que de fato nos faz falta é, apenas, o mais importante.

Já digo o que é.

Não é a inocência, embora tenhamos perdido um pouco daquela leveza quase pura do começo dos anos 1990, quando ainda não nos levávamos tão a sério.

Aquela falta de gravidade, curiosamente, nos trazia unidade. Collor não foi demitido por pobres e negros ou pela esquerda ou por qualquer fração do país. O que havia era um mau governo e um presidente acusado de corrupção de um lado e uma população insatisfeita de outro. Simples.

Os brasileiros acreditavam que, destituindo um presidente certamente incompetente e provavelmente desonesto, o Brasil teria chance de recomeçar e, por fim, funcionar. Era uma correção de rumos.

E, de alguma forma, deu certo. O curtíssimo mandato de Itamar Franco, de dois anos e dois meses, foi, para usar adjetivos da moda, o mais fértil e profícuo da história do Brasil. Tudo de positivo que houve depois, tanto no governo Fernando Henrique quanto no governo Lula, só foi possível porque o caminho estava cimentado pelo Plano Real.

Qual era mesmo o partido de Itamar Franco? Você se lembra? Quais eram as ideias de Itamar Franco? Ele era de direita ou de esquerda? Ele era representante da elite branca ou dos defensores dos negros e pobres?

Ninguém se importava com essas questões. Não existia esse debate, que hoje parece essencial. O que importava era o que estava sendo feito por Itamar Franco, e ele fez bem.

Esse debate rançoso, atrasado e, sobretudo, amargo, que rotula brasileiros e os fixa em trincheiras opostas, foi cevado neste século. Quando Lula se elegeu, em 2002, os brasileiros ainda se mantinham a uma distância mais ou menos desapaixonada da política. Certas discussões só se acendiam de quatro em quatro anos, como a brasilidade despertada pelas Copas do Mundo. Lula era considerado uma decorrência natural do processo democrático. Havia chegado sua vez, a maioria da população pensava assim. Até Fernando Henrique foi acusado de “torcer” para Lula, em 2002.

Nesses últimos anos, tudo apodreceu. Hoje, ninguém torce para ninguém, todo mundo torce contra.

E então chegamos ao atual processo de impeachment. O governo Dilma é incompetente e desonesto. Merecia ser destituído. Mas por esse Congresso? O contraponto de Collor, nos anos 1990, era Ulysses Guimarães. O contraponto de Dilma, agora, é Eduardo Cunha. Quem terá entusiasmo de sair à rua para lutar por esse impeachment?

Observei pela TV o comportamento das pessoas nas manifestações de ontem. Elas estavam lá querendo a derrubada do governo, sim, mas sem nenhuma bravura, sem desafio, sem qualquer galhardia. Elas caminhavam quase que de mão no bolso pelo asfalto das avenidas, tão somente fazendo número. Elas aproveitavam para confraternizar e até para se divertir, porque, se é fato que estão descontentes com o que há, é fato também que não estão otimistas com o que poderá vir. Elas não acreditam mais. Os brasileiros deixaram voar o último predicado que estava preso na Caixa de Pandora: a esperança se foi.

Foi isso que perdemos. O que mais importa. A esperança. O que será de nós?