quarta-feira, 30 de dezembro de 2015


30 de dezembro de 2015 | N° 18400 
MOISÉS MENDES

D’Ale, Tau e Riquelme


Se eu não fosse gaúcho, talvez até pudesse ser argentino. Mas só por uma semana. Me impressiona no rio-pratense, de Buenos Aires e arredores, a intensidade que põe em tudo. Na fala, nos gestos, na política, nos amores, no futebol, na arte.

Todo argentino tem um psiquiatra ou um psicanalista, com quem conversa durante todo o dia pelo WhatsApp, porque precisa conter seus ímpetos. O argentino parece estar sempre pronto para participar de um embate, que pode ser pelas Malvinas ou por um pênalti que vira guerra num clássico Boca x River.

Achei interessante, por tudo isso, a fala de D’Alessandro depois do jogo de estrelas do Lance de Craque, domingo. O organizador da festa beneficente no Beira-Rio referiu-se a Gonzalo, o caçula da família, como “o meu filho brasileiro”.

Pensei em D’Alessandro e nos argentinos porque comecei a ler um livro que vai me dar 20 dias de prazer nas férias. Vou saborear em três semanas, asseguro, metade das 816 páginas do terceiro volume de A Fronteira, de Tau Golin (Méritos Editora). Vou ler devagar. Tau é o grande historiador do Sul há muito tempo.

O livro cobre o período de escaramuças com os espanhóis de 1763 a 1778, quando, por pouco, escapamos de sermos argentinos. Já na apresentação, Tau encaminha uma queixa: por que se exaltam tanto os que andavam a cavalo e pouco os que se movimentavam por barcos, no mar e nas lagoas?

Explica-se o gosto do historiador pela navegação. Tau aprendeu a navegar depois de quase naufragar num temporal na Lagoa dos Patos, há uns 10 anos. Se não fosse salvo por dois lobos do Guaíba, os comandantes Paulo e Kako Pacheco, da escuna Sabiá, não estaria aqui para contar os duelos com os castelhanos.

O historiador é um queixoso com os exageros criados pelos colegas e por um certo tradicionalismo em torno dos cavaleiros como guerreiros míticos, enquanto os navegadores foram afastados para um canto.

Falei do livro porque a frase de D’Alessandro (que deveria jogar no Grêmio e foi parar por engano no Inter) tem, na exaltação da promessa de brasilidade do filho, uma contribuição do futebol à permanente busca do apaziguamento.

Leia o livro de Tau, que parece uma catedral de letras, para entender a alma desses confrontos. Porque tem gente que continua peleando com os argentinos. Tanto que ouvi alguém perguntar: mas se o guri é brasileiro, nascido em Porto Alegre, por que é Gonzalo, e não Gonçalo?

É brincadeira, D’Alessandro. Boa sorte no San Lorenzo. E que Riquelme venha logo.