terça-feira, 15 de dezembro de 2015



15 de dezembro de 2015 | N° 18386 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

VIDAS NA MÚSICA


Há dois ótimos livros lançados neste ano – boa pedida para Natal, falando nisso –, pedindo leitura ampla. São de certa forma paralelos: escritos por jornalistas gaúchos sobre grandes figuras também gaúchas, ambos com textos vira-páginas, versam sobre o mesmo universo da música popular, mas guardam diferenças essenciais. Esse Tal de Borghettinho, de Márcio Pinheiro (editora Belas Letras), e Elis – Uma Biografia Musical, de Arthur da Faria (Arquipélago). Sendo este resenhista amigo dos dois autores, não há isenção olímpica no que aqui é dito, mas pode ter certeza de que se trata de duas excelentes biografias.

O livro sobre o gaiteiro mais famoso no Estado e talvez também do Brasil, hoje, versa sobre um homem vivo, em plena atividade e com amplo futuro por diante. Além disso, foi escrito com total colaboração do biografado. 

Trata-se de duas condições nem boas nem más, mas decisivas para entender o modo de ser do texto: ali vão informações bem costuradas, tramadas na linha do tempo, expondo uma trajetória que ocupa, por muitos títulos, um lugar central na cultura atual. Borghettinho foi um dos mais importantes responsáveis pela ampla difusão pública de hábitos antes contidos nos limites do mundo tradicionalista ou no recesso de escassos lares – como tomar mate e andar de bombacha. O Márcio soube bem lidar com esses elementos: a leitura flui muito bem e instrui com precisão e amplitude.

Já o livro do Arthur teve outros empenhos, horizontes e limites. Figura decisiva no âmbito de toda a cultura popular brasileira desde 1965, quando venceu importante festival de música, Elis definiu o que viria a ser conhecido como MPB e protagonizou o cenário da canção no Brasil e mesmo fora dele, até falecer em 1982. 

E ela já havia sido biografada algumas vezes, a última das quais no mesmo 2015. Arthur, que vinha lidando com a história da Elis há mais de 15 anos nos marcos da história da música de Porto Alegre que tem publicado em site (sul21.com.br), encontrou um caminho específico e inédito: músico que é, esmiuçou a vida de Elis a partir de suas escolhas musicais.

Não terei lido todas as biografias de cantores e músicos brasileiros, mas conheço muitas, e posso dizer sem medo que o Arthur fez algo inédito: colocar o leitor, com seu texto sempre criativo e bem-humorado, essencialmente no cenário musical de cada disco feito por Elis. Por que ela preferiu assim, o que rejeitou, como escolheu repertório e parceiros, tudo isso vai de par com uma total (e saudabilíssima, claro) falta de provincianismo: nada de chorar as pitangas localistas, tudo de oferecer informações e análises sempre contextualizadas.