terça-feira, 29 de dezembro de 2015



29 de dezembro de 2015 | N° 18399 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

O LENTO TEMPO DA DELICADEZA


Assim como demoro a adotar novas tecnologias, sou lento em acompanhar muito da vida cultural, filmes em especial. Quando vou ver, todo mundo já viu, ou já saiu de cartaz, só no YouTube, talvez. (Tardança: só agora dou, de público, um tchau para o excelente artista que foi Júpiter Maçã, ou Flávio Basso.)

Demorei assim para ver o grande, o sensacional filme de Mirela Kruel chamado O Último Poema, que conta com dois atores perfeitos, Janaína Kremer e Rodrigo Fiatt, para reviver – em uma torrente de imagens leves e diáfanas como cartas em papel, de imagens lindas e líricas, de tirar o ar do espectador – uma história realmente peculiar: a quase inacreditável troca de cartas, por uns 20 anos, entre o grande Carlos Drummond de Andrade, vivendo no Rio, e Helena Balbinot, professora, leitora de poesia, ela mesma poeta mas bloqueada, nascida e criada em Guaporé, RS.

O filme da Mirela faz um milagre de ser outra coisa, não uma troca de cartas em papel, mas ao mesmo tempo preserva em seu nervo justamente marcas agora já evanescentes da carta em papel, neste caso entre duas figuras tão díspares, um poeta consagrado e uma moça interiorana. A beleza das imagens que a Mirela caçou na vida real e em sua imaginação tem um peso especial – solidão, sim, mas também desolação, e igualmente a força da passagem do tempo, ao sabor do vento (isso não é trocadilho, juro).

Helena, ao formar-se professora no antigo Normal, cogitou fazer Filosofia, para aproximar-se da poesia por um caminho relevante. Não pôde, ou não quis, ou não era cabível tendo em vista o casamento, lá nos anos 1960 de sua juventude. E nasceram então as cartas, que foram respondidas e correspondidas, anos afora.

Fiquei pensando no acaso não apenas pela história linda e pungente da Helena, mas também pela história da Adélia Prado, que completou 80 anos faz pouco. Também ela fez Magistério, mas conseguiu cursar a Filosofia que Helena não alcançou. Em 1974, aos quase 40 anos, vivendo na surdina interiorana de Minas, poemas seus chegaram a Drummond, o mesmo, e este a celebrou como uma grande poeta. O resto da história de Adélia o prezado leitor conhece.

Corro o risco de estar escrevendo uma antifábula natalina, ou uma fábula antinatalina, em que no final tudo dá errado. Pode ser que sim; mas quero mesmo é dizer que, sendo eu a favor dos bons sentimentos, como aprendi naquele tempo em que o Natal e o Ano-Novo eram novidades importantes, esperadas e celebradas, a Mirela Kruel fez um serviço bárbaro pela história da Helena, da Adélia, do Drummond e de todos os usuários da língua portuguesa, sem prejuízo dos outros povos que eventualmente venham a conhecer a linda narrativa fílmica, candidata minha ao panteão das obras mais delicadas do mundo.