quinta-feira, 24 de dezembro de 2015



24/12/2015 e 25/12/2015 | N° 18395 
LUCIANO ALABARSE

CONTRADIÇÕES DOLOROSAS


Um rio de lama, violento, destruiu a natureza do Brasil. A lama soterrou casas, praças e escolas cheias de livros. A lama chegou ao mar. Mares e livros se prestam a comparações. Temos de encará-los e reconhecê-los. O mar tem mais perigo quando é calmaria. Revolto, o admiramos com cautela. É preciso aprender a nadar. 

Um livro de escrita caudalosa pede fôlego. Autores como David Foster Wallace nos fazem perder o chão. Outros, calmos e formalmente ordenados, podem nos levar às nossas entranhas mais profundas. É preciso aprender a ler. Um dos livros mais encantadores que já li, Stoner, de John Williams, enfrenta uma questão sempre desconcertante: o que confere significado e valor à vida humana?

Palavras abrem a cabeça, aquietam ou enlouquecem. Pode ser uma tese de 600 páginas ou um artigo de 20 linhas, não importa. O que vale é o baque, a surpresa. Autores como Karl Ove Knausgard, por aproximação ou distanciamento, embaralham certezas e dúvidas. Um livro como O Absoluto Frágil, do filósofo Slavoj Zizek, também. Ao apostar que marxismo e cristianismo, juntos, têm condições de combater as intolerâncias religiosas contemporâneas, torna-se potente farol a iluminar o breu desses tempos de fanatismos raivosos.

Combater a ignorância parece ser o objetivo dos artigos de Fernanda Torres. Aborto, o último, foi um soco no estômago. Como ela, também sou a favor de sua legalização e da liberação das drogas. Mas, mecanicistas e inconvincentes, argumentos favoráveis a essas regulamentações quase nunca registram a contento os conflitos de quem os protagoniza. Abortos e drogas marcam na paleta contradições dolorosas. Vivê-los não é fácil. Fernanda vai no osso: proibi-los industrializa atividades criminosas clandestinas, acarretando mais danos que benefícios.

Tudo junto e misturado, como diz Mario Sergio Conti: lama tóxica, Samarco, Mariana, escândalos, propinas, zika vírus, microcefalia, Lava Jato, terrorismo, Dilma e Temer, Natal, Ano Novo. Naufragar é preciso?