segunda-feira, 28 de dezembro de 2015



28 de dezembro de 2015 | N° 18398 
L. F. VERISSIMO

A questão


Na Grécia, na Itália, em Portugal e agora na Espanha, a esquerda não chegou ao poder mas chegou perto o bastante para incomodar a direita e o centro, em alguns casos negando-lhes maioria parlamentar. Na Grécia, a extrema esquerda assumiu mesmo o poder. 

Não assumiu integralmente seu extremismo, mas está lá, um exemplo de alternativa possível para o conservadorismo dominante. O crescimento da esquerda é consequência direta das medidas de “responsabilidade fiscal”, em contraste com a responsabilidade social que durante tantos anos informou os “welfare states” europeus e que transformaram “austeridade” num palavrão.

O desencanto crescente com o desmonte dos Estados de bem-estar social e a crescente convicção de que a política e os políticos não têm nenhuma voz numa economia gerida pelo capital financeiro e pelas multinacionais – a não ser para dizer que é mais “responsável” pagar uma dívida do que alimentar um filho – têm impelido não só a rebeldia de esquerdas como a “Podemos” na Espanha como o populismo de direita. E não é nem preciso fazer a analogia fácil com a ascensão do nazismo numa Alemanha desencantada para lembrar do que o populismo de direita é capaz. 

No fim, aceitando-se a hipótese de que ninguém tem o monopólio dos bons sentimentos e nem o mais desalmado financista quer a morte de criancinhas para que o mercado funcione, a questão passa a ser – na Europa, no Brasil ou na Cochinchina – até onde responsabilidade fiscal e responsabilidade social são compatíveis e podem conviver. Não vale invocar país escandinavo, onde as duas coisas não se excluem. São países frios, com aquecimento central e uma tradição de aconchego social. Quero ver é no mundo real.