sábado, 26 de dezembro de 2015



26 de dezembro de 2015 | N° 18396 
PAULO GERMANO

O buraco de Porto Alegre


Faz sete meses que vejo esse buraco. Sempre ali, meio bocejando, livre para abocanhar um tornozelo ou engolir uma canela. Não fica num canto ou no meio-fio: ele grita no meio da calçada, na Avenida Erico Verissimo, sentido bairro-centro, esquina com a Rua Botafogo.

Deve estar ali há mais tempo. Mas, como cruzo com ele desde maio, duas ou três vezes por semana, tomei a liberdade de conhecê-lo melhor na quarta passada. Ajoelhei-me à sua frente e apoiei no piso as duas mãos, o buraco entre elas. Fitei-o por uns segundos. Concluí que uma bola de futebol caberia ali.

Um pouco apreensivo – seria levemente desesperador se um rato aparecesse –, aproximei a cabeça do círculo negro e, com o nariz já invadindo o orifício, olhei para dentro, achei escuro, dei um berro, aguardei o eco, então ouvi outra voz do lado de fora.

– Perdeu algo, filho? – uma senhora me olhava atirado no chão, e me senti meio ridículo.

– Não, não, só dando uma espiada... Ela fez uma observação simples, quase óbvia, que me pôs a pensar e a me indignar ali mesmo, com a barriga roçando a lajota fria na esquina da Erico com a Botafogo:

– Passaram um mês pintando a ciclovia e não taparam esse buraco.

De fato. Até o início de dezembro, a prefeitura esteve ali diariamente, demarcando a faixa vermelha e instalando tachões no asfalto, mas, claro, alguém dirá que a ciclovia é coisa da EPTC e que o buraco é coisa do Dmae. Esse abismo resume bem o que virou Porto Alegre de uns tempos para cá: precisamente um buraco.

São obras da Copa que nunca acabam. Lixo pelas calçadas. Proliferação de pedintes. A Avenida Grécia terminando em um muro – porque havia UMA FÁBRICA no caminho. E, claro, os relógios de rua: desligados desde julho, são a metáfora perfeita da cidade parada no tempo.

Levantei do chão para me despedir, mas a senhora ainda quis falar de um acidente que houve ali perto. Em outubro, quando duas pessoas morreram no choque entre um carro e um lotação, a comunidade já alertava o poder público sobre a sinalização precária. Só depois da tragédia é que vieram as soluções.

– Que ninguém precise quebrar uma perna para taparem esse buraco – ponderou ela.

E eu fui para casa escrever isso aqui.