quarta-feira, 30 de dezembro de 2015



30 de dezembro de 2015 | N° 18400 
MARTHA MEDEIROS

Não querer é poder


Fim. 2015 terminou e um novo ano vai iniciar (a velocidade desse processo tem me causado vertigem, mas isso é outro assunto). O fato é que 2016 está batendo à porta, apresentando-se para receber nossos pedidos. O que você deseja, o que você colocou na sua lista de resoluções? Seja o que for, está começando mal.

Desejar coisa nenhuma: essa é a saída para minimizar frustrações e preservar a serenidade. Decretei como tendência, tudo sob a chancela do poeta português Fernando Pessoa: segundo ele, não querer é poder.

Não sei exatamente qual foi a motivação do gajo para inverter a máxima “querer é poder”, mas o fato é que ele a inverteu em seu Livro do Desassossego. “A renúncia é a libertação. Não querer é poder”.

Muito bem. O que tenho é suficiente. Não quero mais saber de cobrar pendências do futuro, de olhar pra ele de um jeito faminto, como se ele me devesse alguma coisa. Livre de anseios: é desse modo que me preparo para atravessar a meia-noite desta quinta-feira rumo ao primeiro minuto da vida pela frente.

Em 2016, não quero que meu bem-estar esteja atrelado às atitudes de quem me cerca, não quero que minha felicidade dependa de as pessoas agirem da forma que eu considero conveniente. Preciso aceitar que elas têm seus próprios pensamentos e acreditar que suas escolhas fortalecem suas identidades, e suas identidades não são assunto meu.

Em 2016, não quero temer o calendário, não quero encarar a passagem dos dias e meses como se fossem sentenças de morte, não quero perscrutar cada parte do meu corpo em busca de sinais de traição. Seria insano acreditar que o tempo me deve um tratamento privilegiado.

Em 2016, não quero que os projetos que estão em andamento me roubem o prazer de sua execução por causa da ansiedade pela sua conclusão. Não preciso me impor prazos rígidos e mergulhar numa autocobrança aflitiva. Demito a patroa de mim mesma e promovo a estagiária que, por não ter nada a perder, se entrega com entusiasmo ao que, para ela, ainda é um mistério. cortacorrente

Não quero me exigir atualização plena e constante dos fatos que acontecem ao meu redor e também em Brasília, em Paris e em Marte. Que eu me mantenha tranquila em relação ao meu desconhecimento de tanta coisa, esse desconhecimento que se agiganta sem que, nem por isso, eu diminua. O que eu absorver naturalmente haverá de bastar.

Não é necessário me dedicar a tanto querer, a tantas vontades que me obrigariam a me deslocar de onde estou, que me fariam perseguir às cegas algo que nem sei se é destinado realmente a mim. Melhor aguardar nesse ponto suave em que me instalei e que me confere o poder invencível da paz de espírito. O que está a caminho já é meu, apenas ainda não chegou.