segunda-feira, 21 de dezembro de 2015


21 de dezembro de 2015 | N° 18392 
L. F. VERISSIMO

Desígnios


Existem, sim, pessoas que são feitas umas para as outras. O velho clichê romântico é verdade. Pares ideais são postos no mundo para se integrarem e se reproduzirem. Ou não, se forem do mesmo sexo. Só tem uma coisa: como acontece no comércio de livros e discos, o problema está na distribuição. Aí falha a organização e os pares ideais se dispersam ao serem criados, uma parte vai para um lado e a outra vai para outro, às vezes longe. 

O cálculo é que no máximo vinte por cento dos pares ideais chegam a se encontrar e se integrar. Os outros nunca conhecem as pessoas feitas só para eles. Podem encontrar um par adequado, e serem felizes, como foi o nosso caso, querida, mas sempre haverá aquela sensação de que, em algum lugar, talvez na China, existe o seu par certo, o par que a natureza reservou para ele ou ela. Mas quem poderia saber?

Hoje se pode procurar pelo mundo o nosso par designado, mas a internet, segundo alguns inventada para corrigir a imprevidência da natureza, que espalhou as almas gêmeas pelo mundo sem qualquer instrução sobre o que fazer para que se encontrassem, na verdade pode dificultar o encontro. É sabido que as pessoas mentem na internet. 

Quando apresenta suas credenciais, seus dados e suas virtudes para a alma gêmea em potencial, o feio diz que é bonito e o mau-caráter diz que é um santo, e um esquece de dizer que tem mau hálito de fundo nervoso e o outro não conta que é neonazista, de sorte que o encontro nunca é entre as duas partes de um casal perfeito, mas de duas dissimulações.

Veja o que aconteceu comigo, querida. Como eu poderia imaginar que o meu par perfeito estaria em Sorocaba, e não seria nem minha contemporânea? Tem vinte anos a menos do que eu, muito pouco em comum comigo, mas foi só botar os olhos nela e eu decidi: é ela! Você deve ter notado que eu andava meio aéreo, meio desligadão, depois que as crianças cresceram. E então surgiu aquela minha viagem de negócios a Sorocaba e ela estava lá, no saguão do hotel, como se me esperasse. Disse que uma força estranha a impelira para lá. Era Deus, a natureza ou que nome tenha, arranjando o nosso encontro. 

Quem era eu contra a determinação das forças que regem o Universo? Você não deve me repreender, querida. Devemos todos comemorar o fato de que a união se deu, que eu e ela pertencemos àqueles vinte por cento que, mesmo por acaso, cumpriram os desígnios de Deus, em vez de continuar fazendo parte da maioria enganada. E quem nos garante que você também não vá encontrar seu par ideal, assim que eu sair de casa? 

Ele tanto pode estar na China como ali na esquina, você só precisa procurar. Entre na internet. Vá atrás do seu destino, que claramente não era eu. Temos a obrigação de procurar nosso par ideal, para assegurar a simetria do mundo e... Querida, o que você vai fazer? Querida, a frigideira não. A frigideira não!