sábado, 16 de janeiro de 2016


17 de janeiro de 2016 | N° 18417
ARTIGOS - MARCOS ROLIM*

OS BÁRBAROS


Em um texto de 2002, tratando da explosão de violência e crime na França (“Os bárbaros nos portões de Paris”), Theodore Dalrymple descreveu a realidade das “cités”, conjuntos habitacionais construídos pelo governo onde os moradores são, em sua maior parte, imigrantes. Para o autor, foi se construindo ali “uma espécie de antissociedade” em que uma parte da população teria se definido pelo ressentimento. “Essa alienação, esse abismo de desconfiança – maior do que qualquer outro que encontrei pelo mundo, incluindo a África do Sul durante o apartheid – está escrito nas faces dos jovens; a maior parte deles permanentemente desempregada, perambulando pelos compridos e labirínticos espaços abertos entre seus logements (habitações)... 

O ódio que têm pela França oficial se manifesta de várias formas, deixando cicatrizes em tudo o que está a sua volta (...)”. Ele conta que há destroços e carros incendiados espalhados pelas cités; que, quando os funcionários da França oficial vão até lá, são atacados e que a polícia é odiada, um sentimento que se reforça quando os policiais entram nessas áreas como uma tropa de assalto para bater em qualquer um. 

Em ambientes assim, traficantes emergem como lideranças locais e “modelos” para crianças e adolescentes. Para Dalrymple, a França vive as consequências do imenso fracasso representado pela não assimilação dos imigrantes. Ele mostra, também, como o proselitismo fundamentalista islâmico se nutriu das prisões francesas superlotadas, preparando um resultado muito mais ameaçador do que jovens envolvidos com drogas e atos de incivilidade. Infelizmente, as autoridades francesas não prestaram atenção ao que ele disse. Um detalhe: Theodore Dalrymple, um dos pseudônimos do médico britânico Anthony Daniels, é um autor conhecido por seu conservadorismo.

Há décadas, vivemos no Brasil um processo que, excetuando-se a imigração, é muito semelhante ao descrito pelo autor. Também aqui, construímos uma realidade social, urbana, racial e cultural de “apartheid não declarado”. Também aqui nossos presídios servem fundamentalmente para organizar facções criminais e ampliar o crime e a violência. 

Entretanto, quando afirmamos que é preciso erguer prisões decentes, onde os condenados possam trabalhar, estudar e ter uma chance de inclusão, encontramos, à direita e à esquerda e, em geral, nas instituições, apenas a cínica capitulação diante do senso comum. No Brasil, afinal, os bárbaros não estão “nos portões”, mas muito além. Eles têm galgado posições importantes na consagração da superficialidade, na recusa ao pensamento, na radical incapacidade de argumentação e na crescente identidade com o ódio.

Jornalista e sociólogo*