sábado, 16 de janeiro de 2016



17 de janeiro de 2016 | N° 18417 
L. F. VERISSIMO

Xororô


O Pedrão é o mais velho do time e, só por isso, o capitão. Acha que a principal função de um capitão é pressionar o juiz e que juiz deve ser pressionado sempre. Tem que ouvir reclamações quando apita qualquer coisa, certo ou errado. E o encarregado de reclamar é o capitão. Respeitosamente, alto nível. Mas sempre.



Segundo Pedrão, o juiz precisa saber que estão de olho nele. Que ele não está enganando ninguém. E a missão de expressar essa desconfiança constante e implacável é do capitão. Que, afinal, também é uma autoridade em campo. Uma autoridade menor, mas autoridade. Por isso, as torcidas se acostumaram a ver o Pedrão conferenciando com o juiz, às vezes longamente. Alguns juízes não querem conversa e mandam o Pedrão se afastar. O Pedrão se afasta, mas reclamando.



E quando o juiz é estrangeiro? Em que língua o Pedrão reclama? Que se saiba, o Pedrão é monoglota convicto. Como ele faz? Um dia, o Pedrão contou para um grupo de amigos. Com instruções para jamais revelarem seu segredo. Não importava se o juiz era brasileiro, castelhano, alemão ou coreano. Quando pressionava o juiz, o Pedrão só dizia “xororô”. Nenhuma palavra inteligível, só “xororô, xororô, xororô”.



O importante não eram as palavras, era a cena. Era o juiz se sentir pressionado, e a torcida ver o Pedrão pressionando o juiz, cumprindo sua obrigação de capitão. “Xororô, xororô, xororô”, só variando o tom e gesticulando muito. Alguns juízes já conheciam o Pedrão e quando ele se aproximava diziam “ih, lá vem xororô”. Outros davam risada. Mas alguns não entendiam. Diziam “O quê?”. E o Pedrão: “Xororô, xororô, xororô”.



– O quê?! – Xororô, xororô, xororô. Sempre com muito gesto.



Um dia, contou o Pedrão, o juiz era da Guatemala. Dois minutos de jogo, falta contra o time do Pedrão. O juiz em cima: piiii!. E o Pedrão em cima do juiz: “Xororô, xororô, xoro...”. Não completou sua argumentação. Foi expulso de campo antes do último “rô”. Cartão vermelho. O juiz da Guatemala dando pulos. Se houvesse cartão roxo, mostraria o roxo.



Até hoje, o Pedrão não sabe o que quer dizer “xororô” na Guatemala. Imagina que seja algo envolvendo a mãe ou algum exótico hábito sexual. Hoje, antes do “xororô”, ele testa o juiz, recitando um verso de música sertaneja ou um trecho do Hino Nacional para ver sua reação. Mas sempre gesticulando.