quinta-feira, 28 de janeiro de 2016



28 de janeiro de 2016 | N° 18428 
L. F. VERISSIMO

Analogias

Cem advogados brasileiros assinaram um manifesto comparando aspectos da Operação Lava-Jato em curso com métodos da Inquisição. A palavra “neoinquisição” é usada, entendendo-se que a clara referência é à ação do Santo Ofício contra inimigos da Igreja e possuídos pelo demônio, na Idade Média. Descontando-se tudo que cerca o manifesto publicado – as razões de cada signatário e a procedência ou não do seu protesto, e até os exageros da retórica –, é curioso que a analogia escolhida para os excessos da Lava-Jato tenha sido a Inquisição. 

O manifesto deu um pulo no tempo, para trás, por cima de todas as outras comparações cabíveis, como regimes de exceção recentes, e preferiu chamar o juiz Moro e seus comandados de caçadores de hereges e bruxas. Desconfio de que não usaram a analogia mais óbvia, com métodos fascistas, porque “fascista” foi vulgarizado como xingamento político entre nós. 

Esquerda e direita acusam-se mutuamente de fascismo, tanto que a palavra perdeu todo o sentido. De qualquer maneira, o manifesto dos advogados não precisava ir tão longe para buscar um exemplo de arbitrariedade e descaso por direitos legais. Tinham exemplos bem mais próximos, no tempo e no espaço.

CARNAVAL

Eu ia começar este parágrafo com a frase “No meu tempo...”, mas me contive: nada espanta leitores como começar um parágrafo com “no meu tempo”. Mas a proximidade do Carnaval me fez pensar no tempo em que todos os anos, por esta época, já se conheciam as músicas “de Carnaval” novas. A maioria das músicas tinha vida efêmera, eram cantadas no Carnaval do ano e depois esquecidas, mas algumas ficavam e se tornavam clássicas. 

E me lembro de quando as músicas de Carnaval começaram a perder sua inocência. Até então, nenhuma letra “de Carnaval” tinha duplo sentido, a não ser que você descobrisse alguma alusão escondida no “Pirata da perna de pau”. E então, não me lembro se no mesmo ano – me acuda, Ruy Castro –, apareceram duas marchinhas seminais, que mudaram tudo. 

Uma era a “Índio quer apito”, baseada numa anedota safada. E a outra tinha o seguinte refrão: “Não importa que a mula manque, o que eu quero é rosetar”. Não entendi o que a letra significava, mas não tive a menor dúvida de que era bandalheira. Ainda não sei bem o que é rosetar, mas sei que cada vez se roseta mais no Carnaval.