terça-feira, 26 de janeiro de 2016


26 de janeiro de 2016 | N° 18426 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

A PISCINA


A diretora do ótimo filme Que Horas Ela Volta?, Anna Muylaert, fez uma excelente frase esses dias, num debate durante o Fórum Social Mundial 15, em Porto Alegre. Versava justamente sobre o filme dela, que, como o prezado leitor sabe, coloca em ação um enredo de alta potência crítica: família de classe superior em São Paulo tem uma faz-tudo em casa, uma empregada residente, representada pela Regina Casé; ela cuidou do filho do casal e goza daquela intimidade mesclada com indiferença que o Brasil conhece bem (e é ultraestranha fora daqui); e acontece que sua filha, Jéssica, criada em Pernambuco por dinheiro enviado pela mãe (que no mais foi ausente), agora resolveu vir morar em São Paulo, para estudar Arquitetura na USP, nada menos. 

E vem mesmo, e ao chegar constata, ao vivo, o que é a moderna segregação de classe em convivência estreita com a velhíssima subordinação social.

A casa tem uma piscina, ponto de crise da história toda, porque não é para ser usada pela Jéssica, porque Dona Bárbara não quer, porque não fica bem, porque… por quê, mesmo? A frase da diretora: “O Brasil está no momento em que a Jéssica caiu na piscina e a dona Bárbara esta lá berrando: sai daí! sai daí! Mas acho que não tem mais volta”.

Não por total acaso, uma piscina é também o ponto de desequilíbrio do belíssimo novo romance de Fernando Bonassi, chamado Luxúria (Record). A piscina é a mesma, mas é outra, aliás: casal com filho entrando na adolescência, ele metalúrgico, ela “do lar”, o filho um problemático sofredor de bullying, moram em casa recém-adquirida, em um desses desoladores conjuntos massivos, sem um pé de árvore e espaços acanhados. 

E há um micropátio, onde o homem resolveu, num ímpeto que mistura bravata, vontade de transcender sua antiga pobreza e financiamento barato, mandar construir uma piscina ali. Uma piscina totalmente fora do razoável. Uma piscina que leva tudo para o ralo.

O romance de Bonassi é uma realização superior à de Muylaert, mais madura e completa, mas os dois casos se aliam no desenho da era Lula/Dilma, ou da fase em que tudo andou bem, com crédito barato e estímulo ao consumo aqui, e a China comprando tudo, lá. O futuro dará razão à visão relativamente positiva que a frase da diretora indica? Ou será o horror que o romance oferece?