terça-feira, 19 de janeiro de 2016



19 de janeiro de 2016 | N° 18419
ARTIGOS - LÉO GERCHMANN*

OLHAR O OUTRO

Você, eu, todos achamos uma bizarrice tremenda o episódio em que o argentino andou cem quilômetros ao lado do filho de 14 anos, o adolescente grudado nos joguinhos eletrônicos, e ambos, pai e filho, não perceberam o essencial: a mulher de um e mãe de outro não estava no carro. Nada se falava, pouco se via. A cena se deu em Passo Fundo. A família parara num posto de gasolina da BR-285. O homem abastecia. 

A mulher desceu do carro para comprar bolachas na delicatessen. O menino jogava sem parar. O homem voltou, distraído. A mulher ficou. Ninguém notou. OK, até pode ser bizarro, mas, gente, é mais do que isso. É triste. É um emblema do tempo que nos tocou viver. Um tempo em que as pessoas não se enxergam. O auge do egoísmo. O “pós-lei de Gérson”, de quando “levar vantagem” era o maior dos pecados. A nossa era é a do “Tô nem aí”, como dizia a música horrorosa que fez nada surpreendente sucesso tempos atrás. 

É o momento em que a palavra solidariedade entrou em desuso, em que se usa o bordão “cada um com seus problemas”, dando risada. Podia ser pior. Já houve situações mais graves, de raiz comum a essa. Como esta: menino de 17 anos bateu com a cabeça no piso da lagoa e restou tetraplégico. Era 2005. Teve forças para viver. Formou-se em Química, fez mestrado, cursava doutorado, destacava-se. Surfava! Nadava! Tudo com limitações. Em novembro, agora aos 27 anos, estava na piscina de um hotel em Goiás. Festejava nova conquista como cientista. 

Obtivera grande honraria. Junto, vários colegas – cientistas como ele. Qual a honraria? No congresso, fora premiado como terceiro colocado entre 350 inscritos. O jovem brilhante, afetuoso, amigo dos amigos, afogou-se. As pessoas ao redor não viram o Pedro, este seu nome. Conversavam. Divertiam-se. Ninguém o socorreu. Ninguém o enxergou. Angústia e revolta tomaram conta da família. Talvez por ser diferente, por ter suas limitações, o jovem se tornou invisível a seus pares. Ninguém o via. Certamente, morreu implorando atenção!

Por que isso diz muito da era que nos tocou viver nesta esquina da História? Ora, brigas de trânsito, a banalização da vida, atentados terroristas, tudo se dá porque uns não enxergam os outros. Assim estamos. Não parece claro que precisamos repensar nossas vidas? Trata-se de conviver e olhar. Ver o igual e o diferente com mesma compaixão e mesmo carinho, seja a própria mãe ou um colega diferente.

Jornalista, repórter de ZH* - leo.gerchmann@zerohora.com.br