sábado, 22 de dezembro de 2018


22 DE DEZEMBRO DE 2018
CLÁUDIA LAITANO

Três palavras e um funeral

Algumas palavras valem mais do que mil imagens ou mesmo um texto inteiro cheio delas. Isso explica o esforço de grandes dicionários para identificar a palavra do ano e o zeitgeist que, de forma sintética, ela expressa.

Nos últimos anos, essa escolha vem dependendo cada vez menos da avaliação subjetiva de especialistas e mais dos dados recolhidos da internet. Analisando o que as pessoas mais procuraram no Google ao longo do ano, é possível identificar as questões que dominaram as conversas na arena pública, assim como as angústias e incertezas que vieram à tona de forma mais evidente e universal.

Para o dicionário Oxford, o grande vencedor do ano foi o termo "tóxico" - no sentido de irrespirável, insalubre, nocivo. Vale para ambientes de trabalho, relacionamentos, políticos... Já o dicionário Merriam-Webster elegeu "justiça" como a palavra do ano. Aparentemente, o conceito andou ficando confuso, o que talvez possa ser atribuído, em parte, à terceira palavra desta lista de campeãs, na avaliação do site dictionary.com: "desinformação". Onde a informação é bombardeada com versões alucinatórias dos fatos, a ideia de justiça perde a nitidez - e aqueles que dizem defendê-la também podem ser colocados sob suspeita.

Uma redatora da CNN tratou de amarrar todas as pontas dessa lista tríplice em uma única frase: "Muitas pessoas estão exigindo justiça pelos prejuízos causados por líderes tóxicos e suas campanhas de desinformação". (A propósito: a busca pela palavra "nacionalismo" cresceu 8.000% em 2018. Toma tento, 2019.)

No Brasil, muitas seriam as candidatas a palavra do ano (façam suas apostas sem esquecer que há crianças na sala, por favor), mas como a leitura não é exatamente uma paixão nacional, talvez convenha nos contentarmos em pegar carona na lista importada dos dicionários estrangeiros.

Por aqui, mais importante do que encontrar uma palavra-síntese talvez seja lamentar o destino de uma expressão abduzida para um contexto que não apenas nublou seu sentido original como a contaminou com um tipo de energia radioativa capaz de nausear leitores e falantes da língua culta. Espancada, humilhada e abatida pelo mau uso, a palavra "mito" abandonou os livros de história, a literatura, a Grécia, a astronomia e os tratados de psicanálise e hoje rasteja, como um farrapo de quatro letras, à espera da redenção - que, mais cedo ou mais tarde, um dia virá.

O resto é mitomania.

CLÁUDIA LAITANO

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