sexta-feira, 28 de dezembro de 2018


28 DE DEZEMBRO DE 2018
ARTIGO

Feliz ano velho

Ah, sem dúvida foi um annus horribilis - para usar a expressão latina empregada nos discursos lamurientos de reis e rainhas justificando aos súditos os tempos de vacas magras. Claro, houve o armistício em novembro - mas foi uma pacificação pesada, indigesta, de consequências dúbias. Já para o meio ambiente, as coisas não andaram nada bem: novas espécies engrossaram a lista de animais extintos. O assunto mais controverso, porém, foi a saúde do presidente eleito: rumores sobre sua doença, talvez letal, não ajudaram a apaziguar os ânimos. Tampouco as manifestações populares e os quebra-quebras - que, segundo alguns, tiveram por trás a mão dos anarquistas. Mas nada pior do que a epidemia que assolou o Brasil, com o vice no poder e o país dividido.

Em suma, 1918 não vai deixar saudade...

O ano começou com o mundo em guerra, todo mundo sabe. E a matança sem siso e sem tino já vinha rolando desde 1914, quando enfim o Brasil percebeu que não poderia mais se fazer de desentendido. Mas o país só entrou na dança em agosto de 1918, quando o baile tétrico já estava acabando. E foi um fiasco: em frente à costa africana, os navios brasileiros confundiram um cardume de golfinhos com submarinos alemães e "afundaram" todos (na chamada "batalha das toninhas"). A única coisa que nossos marinheiros pegaram foi... gripe. A gripe que passou à história como "espanhola", mas que ninguém sabe onde começou, embora o primeiro caso oficial tenha sido no Kansas, nos EUA. Cerca de 50 milhões de humanos morreram. Mas, de onde aqueles vieram, havia outros. E a espécie sobreviveu.

Pior foi o caso dos periquitos-da-carolina, que tinham o hábito de se reunir ao redor de um membro moribundo, o que facilitou sua caçada e extermínio. O último pássaro, batizado Incas, morreu em um zoológico nos EUA em agosto de 1918. Pouco antes, morrera Martha, o último pombo-passageiro, e a seguir, o derradeiro pássaro-gancho, do Havaí. Pelo mundo todo, eclodiram rompantes anarquistas - mas sem relação com as extinções aladas.

Já no Brasil, as coisas ficaram feias quando o presidente eleito teve que baixar hospital. Rodrigues Alves já havia sido presidente de 1902 a 1906. Voltou a concorrer e se reelegeu em março de 1918. Caiu contagiado pela gripe espanhola no dia de sua posse, 15 de novembro. Quatro dias antes, na décima primeira hora do décimo primeiro dia do décimo primeiro mês (às 11h de 11 de novembro), milhares de clarins haviam soado anunciando o fim da I Guerra. Começava a nascer a II.

Sem spoiler: Rodrigues Alves não voltou a tomar posse, já que morreu no dia 16 de janeiro de 1919. O vice, Delfim Moreira, então assumiu de vez o cargo, dando início à chamada "regência republicana", período turbulento, repleto de convulsões sociais. Um ano e seis meses depois, vitimado pela sífilis, ele também morreria. Ainda bem que a história jamais se repete - a não ser, quem sabe, como farsa. Porque tragédia já há de sobra.

b.ideias@terra.com.br
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