terça-feira, 14 de agosto de 2018


13 DE AGOSTO DE 2018
DAVID COIMBRA

Um dia tivemos bala Gasosa


Houve um tempo em que o único lugar do mundo onde a Pepsi vendia mais do que a Coca era Porto Alegre. Não sei se isso é totalmente verdadeiro. Talvez fosse o único lugar da América do Sul. Ou do Brasil. Sei lá. Mas sei que, quando a gente bebia uma Pepsi, bebia com certo orgulho de ser exclusivo.

Depois, a Coca teve de mudar de cor para patrocinar o Grêmio. Mais uma vitória gaúcha sobre o Grande Irmão do Norte. Éramos os irredutíveis gauleses.

Naquela época, bebíamos Minuano Limão e Guaraná Charrua, em homenagem aos ferozes índios do Cone Sul, que montavam lateralmente em seus cavalos e atacavam usando boleadeiras. Nesta Copa do Mundo, o volante Nahitan Nández, do Uruguai, deu um carrinho de cabeça para tirar a bola dos pés de um perplexo atacante russo. O lance, mais impressionante do que qualquer drible, do que qualquer gol, foi considerado um exemplo da "garra charrua" dos uruguaios, que, ora, são gaúchos.

Nós tivemos a garra charrua, um dia.

Um dia, nós tivemos a bala Gasosa.

Terá sido gaúcha a Gasosa? De qualquer forma, era muito consumida no Rio Grande. Redonda, pouco menor do que uma bola de pingue-pongue, era considerada perigosa. Grassavam pelo Estado histórias assustadoras de crianças que a haviam engolido. A Gasosa, de tão grande, ficava entalada na garganta, e os pequenos tinham de ser submetidos a traqueostomia ou simplesmente morriam sufocados. Que medo da bala Gasosa.

Mas havia o Beijo Africano e o Beijo de Moça, que não eram agressivos, eram românticos. Afinal, estamos falando de beijos. Se bem que tinha também aquele chocolate em forma de cigarro, que hoje de certo seria considerado incorreto politicamente.

Eu gostava daquele chocolate, mas não me tornei fumante. De qualquer forma, não é isso que importa agora. Importa é que éramos nós mesmos, entende? Nossas grandes redes de livrarias, por exemplo, eram a Sulina e a Globo. E havia restaurantes alemães por toda a cidade. Sim, essa já foi uma cidade de matriz germânica. O meu avô, que era alemão, tomava chope com os amigos e comia salsicha bock com mostarda marrom e apreciava um bom sanduíche aberto. Você sabia que o sanduíche aberto é invenção porto-alegrense, não é? Sabia. Já contei isso.

Aí pelos anos 80, começamos a ficar iguais a todos os outros. Suponho que não havia alternativa, uma vez que o mundo está tão globalizado, tão interligado, tão plano. Mas houve algo mais, além da revolução nas comunicações. Algo que nos nivelou por baixo, nos empobreceu e, pior, nos suprimiu o amor-próprio. Hoje, a regra, entre gaúchos, é falar mal dos gaúchos, de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul.

Preferia antes. Preferia a imodéstia ao fatalismo. Os governantes não podem apenas se lamentar; têm de resolver o que há de errado. A população não pode apenas reclamar; tem de ajudar na solução. E sempre tendo a certeza de que vamos conseguir. Por quê? Porque somos bons. Repita: "Nós somos bons!". Acredite nisso. Melhore essa autoestima. Um povo que um dia submeteu a Coca-Cola não haverá de se achicar por causa de uma crisezinha qualquer.

DAVID COIMBRA