domingo, 26 de agosto de 2018


Cafés em Porto Alegre 

A querida e competente Laura Glüer, jornalista, professora universitária, palestrante, pós-doutora informal em cafelogia e criadora do site Café Combustível, me convidou para uma tarde agradável sobre cafés, música, Porto Alegre e outros milhares de temas simpáticos que pousaram na mesa do Café Correto, um dos mais antigos da cidade, criado em 1992 e pilotado por Waldyr Beuren. No Centro Histórico está o café e confeitaria Matheus, de 1947, provavelmente o vovô dos cafés da cidade. 

Porto Alegre não tem cafés multicentenários como os lendários Zur Letzten Instanz de Berlim (1621); El Florian de Veneza (1720); Tortoni de Buenos Aires (1858); Café de Flore de Paris (década de 1880) e o Café Nicola de Lisboa (1929), com sua esplanada voltada para o Rossio. Chegaremos lá. O Correto tem 26 anos, o Café do Porto, da Cacaia Bestetti, tem 23 anos e, junto com o Jazz Café, do Dirceu Russi, e do Bar Azteca, do Ricardo Koeche, deu um upgrade para o Moinhos. Café é milenar. 

Dizem que os antigos africanos faziam uma pasta com ele, alimentavam animais e também utilizavam para fortalecer guerreiros. Depois vieram a Arábia, a primeira loja de café em Constantinopla, em 1475; Veneza, em 1570; e Inglaterra, em 1652 - aí para o resto do planeta. Em Porto Alegre, na Rua da Praia, 1.234, de 1964 a 1976, o Rian foi nosso café preferido, tipo a sala de nosso lar. Servia milhares de cafezinhos por dia e um chocolatinho servido numa xicrinha de cafezinho. 

Na saudosa Confeitaria Rocco, na Riachuelo com Dr. Flores, nossa memória proustiana degusta biscoitinhos, chás, torradas, cafés e Toddy. Não só nas lembranças que o Centro Histórico sobrevive e precisa do nosso carinho. Da passagem do Rian até meados dos anos 1980, quando surgiram os grandes shoppings, ficamos lamentando pelos cantos a ausência de cafés. Hoje, os cafés se espraiaram pela cidade, de Norte a Sul, de Leste a Oeste. 

Os porto-alegrenses, que antes tomavam café de pé no Centro, passaram a sentar, conversar, conviver e a pedir café da forma como devem ser as pessoas: quente, doce e forte. Nada contra café sem açúcar ou chafé americano, mas é que eu tinha que usar a comparação ensinada por minha nonna italiana, que gostava de um café do tipo correto: uma dose de espresso mais um pouco de grappa, Sambuca ou brandy. 

Os aposentados, apesar das várias maldades que fazem com eles, estão vivendo mais tempo e ainda têm uns pilas para o café. Podem curtir os amigos sorvendo lentamente cafezinhos, apreciando o desfile das pessoas e da vida, levando a sério a brincadeira ou brincando de ser sério. Observam a pátina do tempo caindo lenta ou rápida e jogam fora ou armazenam conversas. 

A turma do Cacu, um dos melhores exemplos de confraria, há décadas, nas manhãs de sábado e domingo, no Shopping Moinhos, toma café e fala de economia, política, futebol, mulheres, homens etc. - especialmente etc. Os rapazes são bons cronistas, especialistas em generalidades, têm boa memória e quase sempre dispensam o auxílio do dr. Google.   

a propósito...

Até pouco tempo, no Brasil, não consumíamos o melhor café. Os melhores grãos iam para o exterior. Precisávamos das divisas. Não havia muitos tipos de café à disposição. Cafezinho era gentileza para as antigas visitas de vizinhos, parentes e amigos, que apareciam até sem avisar. A etiqueta era bater na porta antes de entrar. Nos ambientes de trabalho, segue a tradição da rubiácea, agora em muitos casos paga pelos consumidores.

Verbas e cortesias andam escassas. É a crise: tem igreja evangélica devendo aluguel, escola privada fechando e mendigo aceitando esmola à prestação. O cafezinho segue preferência nacional, democrático, republicano e ótimo pretexto para conversas e silêncios confortáveis.
Jaime Cimenti 

Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/08/644877-paulo-vellinho-sonhos-e-conquistas.html)