sexta-feira, 31 de agosto de 2018



A literatura grega vive 

Não só na filosofia e nas ciências os gregos deixaram legados que até hoje influenciam, principalmente, a cultura mundial ocidental. O imenso mundo da literatura grega antiga mostra que ela é fundadora, vive e se irradia em nós. Esta, em síntese, é a tese exposta e defendida com clareza e leveza pelo consagrado professor, pensador e escritor Donaldo Schüler, em seu volume de ensaios Literatura Grega: irradiações (Ateliê Editorial, 302 páginas), lançado há poucos dias. Donaldo Schüler, doutor em Letras pela Ufrgs, foi durante décadas professor de língua e literatura na mesma universidade e traduziu Heráclito e Sófocles.

Escreveu muitas obras sobre literatura, como Teoria do Romance e Aspectos estruturais da Ilíada e obras de ficção e poesia. Foi premiado pela APCA e com o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro por sua conhecida tradução de Finnegans Wake de James Joyce, autor do qual Donaldo é especialista. Grande conhecedor da literatura grega, o professor Donaldo apresenta este belo e denso conjunto de ensaios tratando de gêneros, narradores, líricos, pensadores, oradores e teatrólogos e, no capítulo final, fala de Ítaca, a ilha sonhada, onde reinou Odisseu.

Nas páginas finais do volume estão dezenas de referências bibliográficas, para os leitores que quiserem aprofundar ainda mais os estudos sobre as influências que a literatura grega antiga têm sobre as reflexões e produções literárias atuais. "Falta na Grécia Antiga, um termo para literatura, póiesis abarca a produção artística em todas as modalidades, há tendência de empregar logos para textos em prosa. Na Retórica de Aristóteles, lexis abarca a escrita. Para literatura os gregos de agora criaram o termo logotekhnia, para romance, mythistórima. Textos antigos repercutem, vigoram, irradiam.

Permanecemos atentos às irradiações na Idade Média, na Modernidade , na Contemporaneidade, na Pós-contemporaneidade. Gêneros são maneiras de ser. A literatura grega nos funda, vive e se irradia em nós. O mundo se diversifica e se expande. Para a literatura não há limites. Obras transgridem fronteiras linguísticas, fecundam outras formas de dizer, de ser. O algo que era é: ser-to ti én cinai", escreveu o autor nas páginas iniciais da obra, cujo primeiro capítulo é Gêneros.

Na apresentação da obra, escreveu Sérgio Medeiros: "Schüler resume o enredo das obras que comenta, e às vezes também traduz passagens exemplares de diferentes autores clássicos, sobretudo na parte dedicada à poesia lírica; destaca-se, nos comentários que os acompanham, o ritmo de suas frases curtas, entremeadas muitas vezes de indagações que são logo respondidas, enquanto vai discorrendo, com segurança e sensibilidade, sobre cada gênero criado e desenvolvido no mundo grego (que é também, conforme ele o demonstra o tempo todo, o nosso mundo), a fim de enfatizar, desde o início, que uma forma literária atua sobre outra, "cruzamentos geram novos gêneros, fim (telos) não há, como nos grandes romances modernos, de Cervantes a Joyce, que ele também cita, servem de ilustração". 

a propósito... 

Donaldo mostra procedimentos narrativos de Homero reelaborados na prosa de Guimarães Rosa.

Do romance, o gênero sem limites, encontram-se prenúncios nas invenções literárias de Platão. O encadeamento de episódios e a imaginação dos historiadores Heródoto, Xenofonte e Plutarco preparam o caminho para o romance histórico. Os conflitos interiores de Sófocles e Eurípedes anunciam o romance psicológico.

O romance de costumes mostra-se embrionariamente na comédia nova e no discurso forense. A arte narrativa renasce vigorada, quando, transcorridos séculos, se liberta de tutelas. A epopeia e o romance, o limite e o ilimitado, determinam os polos da invenção. Os gêneros gregos continuam a gerar. Ensinamentos de Donaldo. A literatura grega vive. -



Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/08/646164-estado-de-que-tamanho.html)