quarta-feira, 22 de agosto de 2018



22 DE AGOSTO DE 2018
DAVID COIMBRA

Um parágrafo de sabedoria

Uma lição para toda a vida: use sempre camiseta de algodão. Sempre! A não ser, é claro, que a canícula esteja insuportável como naquelas tardes de janeiro no cimento da Assis Brasil. Caso contrário, use de dia e de noite, acordado e adormecido, e você sentirá menos frio e não ficará resfriado e tudo sairá bem.

Lembre-se: camiseta de algodão. Levei tempo para adquirir essa sabedoria básica e agora passo-a a você em um único parágrafo.

De nada.

Os invernos eram muitíssimo mais duros quando não detinha esse conhecimento. Minha mãe tecia-me grossos pulôveres com aquelas agulhas compridas de tricô, e ainda assim eu sentia frios e calafrios.

Pulôver. Não se usa mais essa palavra. As pessoas falam suéter e até, veja só, cardigã. Eu nunca, jamais empreguei a palavra cardigã, e muito menos a vesti. Prefiro pulôver. Suponho que venha do inglês: pull, de "puxar", mais over, de "acima". Uma roupa que você puxa acima da cabeça. Não é isso? Corrija-me quem for do mundo fashion ou do etimológico.

Mas cuidado: se você estiver andando de carro nos Estados Unidos e um policial ordenar pelo alto-falante: "Pullover!", não atire o seu suéter pela janela. Ele disse para você estacionar o carro.

Um dos pulôveres que minha mãe me fez foi o que mais gostei na vida. Um pulôver histórico. Ele tinha dois tons de cinza e era bem quentinho. Tenho uma foto em que estou com ele nos anos 1980, aquele tempo de raras fotos. Era repórter do Diário Catarinense e estava cobrindo a decisão de um turno do Campeonato Catarinense entre Joinville e Criciúma, no Ernestão, o estádio do Joinville.

Naquela época, mesmo repórteres de jornal, como eu, podíamos cobrir os jogos à beira do gramado, desde que chegássemos cedo para conseguir uma boa posição. Pois estava na pista atlética umas três horas antes de a partida começar e veio lá de cima, da arquibancada, um objeto voador que logo identifiquei: um saco plástico cheio de xixi, que estourou bem na minha pequena orelha, molhando-me os cabelos e meu lindo pulôver cinza.

Fazia frio, nem podia pensar em tirar o pulôver e não podia sair dali, sob pena de não conseguir mais ficar naquele ponto privilegiado do gramado. Que fazer? Paciência: deixei a urina secar e tentei não sentir nojinho. Só fui trocar a roupa e tomar um banho reparador muitas, muitas horas depois. Agora, se estivesse de camiseta por baixo da camisa, ela certamente não teria molhado e minha situação seria mais confortável. Ah, mas eu era jovem e não sabia nada sobre a importância da camiseta.

A cada inverno gaúcho um pouco mais rigoroso, lembro daquele meu tão belo pulôver cinza, que teve aquele tão triste destino.

Foi-se o tempo dos pulôveres, das japonas, das galochas e das calças de veludo cotelê. Foi-se, felizmente, o tempo dos saquinhos de xixi nos estádios. Não sei se as mães ainda tricotam roupas de lã para os filhos. Se você é mãe, recomendo que o faça. Vestir uma roupa urdida pelas mãos amorosas da própria mãe é algo que enternece um filho. Tricote para seu menino, portanto. E diga a ele para sempre vestir camiseta de algodão.

DAVID COIMBRA