sexta-feira, 31 de agosto de 2018


31 DE AGOSTO DE 2018

EDUARDO BUENO

A prática da relatividade


Moro num prédio erguido em 1937. Dizem que foi o "primeiro arranha-céu" a... bem, a arranhar o céu de Porto Alegre fora do centro da cidade. Assim, embora seja um belo exemplo de art déco de apenas cinco andares, parece ter sido também o pioneiro na praga que hoje assola o bairro. Mas esse é outro assunto. O assunto agora é que o dito prédio possui elevador com porta pantográfica. E, de uma hora para outra, a referida porta passou a fechar beeeem devagarzinho. Então, ali está você saindo de casa, o elevador chega e a porta se abre e depois se fecha beeeem devagarzinho. O que levava, sei lá, uns três segundos, passou a levar, uns, sei lá, 12 segundos. Intermináveis 12 segundos. Tempo bastante para ruminar uma série de questões.

Na última National Geographic, por exemplo, há um artigo sobre a deriva continental. Sou pirado nessa história da deriva desde 1971, quando, aos 13 anos, comprei, na lendária livraria Coletânea, na Rua da Praia, o livro do geólogo Alfred Wegener. Pirado não só pelo fato de há mais de 1 bilhão de anos os continentes dançarem seu balé cósmico, agrupando-se e se afastando, sempre a remodelar o mundo, mas por ter descoberto também que o alemão Wegener teve a carreira destruída ao apresentar sua teoria, em 1919. E isso tudo bem antes de eu saber que a fabulosa cantora e escritora Pati Smith não só é fã de Wegener mas integrante de uma estranhíssima Alfred Wegener Society. Mas isso também é outro assunto.

O fato é que as tais placas continentais se movem à razão de 18,3 centímetros por ano - velocidade igual à que crescem nossas unhas e, julgo eu, bem mais célere do que a de minha porta pantográfica. Assim, daqui a 250 milhões de anos, os continentes estarão de novo reagrupados, o oceano Atlântico será pouco mais que um lago, Nova York ficará de frente para Lagos, na Nigéria, e Shangai grudada na Austrália. Podes crer.

Como se tal visão do futuro não bastasse, vi ontem um documentário sobre o homem de Neanderthal, que se extinguiu há 30 mil anos. Como se sabe, Homo sapiens e neandertais conviveram por milênios. Mas eles foram extintos e nós vingamos. Mudanças climáticas e a própria ferocidade do Homo sapiens são as principais teorias para explicar o triste fim de nossa espécie irmã. Só que, na última frase do programa, um antropólogo diz: "Então você acha que o Homo sapiens venceu e o neandertal perdeu? Bem, estamos aqui há 50 mil anos. Eles estiveram por 300 mil. Assim, se você quiser saber se de fato ganhamos, melhor fazer essa pergunta de novo daqui a 250 mil anos...".

Bem, acabou meu espaço e não quero mais tomar seu tempo. Estou atrasado e tenho que esperar 12 segundos até a pantográfica se fechar. E só me restam 250 mil anos até descobrir se afinal valho mais do que meu irmão neandertal e 250 milhões para que eu possa contemplar a nova coreografia da dança continental. Não tenho um segundo a perder. Que dirá uma dúzia.

EDUARDO BUENO