sexta-feira, 17 de agosto de 2018


Candidato do além 


Ontem me emocionei. No Instagram, a foto em cores de uma menina de três anos com olhos assustados, jorrando lágrimas, rosto avermelhado, as mãozinhas espalmadas apertando as bochechas, os cabelos em desalinho e o pior, o mais triste, o mais aterrador, a legenda: não gosto destas pessoas! não quero votar em ninguém! Assustaram a menina as fotos dos presidenciáveis. Não era só o retrato da infância do Brasil. Era a cara dos 50% ou 60% de nós que não quer votar, prefere anular ou votar em branco. A foto era de fazer corar frade de pedra, de cortar coração de escultura de mármore. A coisa está bem complicada, quem não sabe? 

Muitos estão perdidos, não sabem se vão para a direita, esquerda, centro, centro-direita, centro-esquerda, para frente ou para trás. Sabem que podem ir para o espaço. Uns dizem que o filho do Macaco Tião, a neta da rinoceronte Cacareco (mais de 100 mil votos para vereador em São Paulo em 1959) ou o sobrinho do Mosquito, eleito prefeito de Vila Velha, que estão presos, seriam os candidatos ideais, justamente por já estarem na gaiola, onde também estão aves de rapina de bicos grandes e animais de outras espécies. 

O Macaco Tião tinha o sólido apoio, em 1988, dos tendenciosos e hilários jornal Planeta Diário e revista Casseta Popular, que, como sabem, originaram o histórico Casseta & Planeta, Urgente!, tesouro nacional, marco da cultura televisiva pátria. Macaco Tião mandou bem, foi o terceiro na corrida para a prefeitura do Rio, com 9,5% dos votos. Consta que não reivindicou cargos e vantagens. 

Tião e os outros bichos não tinham família na época e aí levavam vantagem por não precisar pendurar parentes em cabides de emprego. Macaco Tião tinha o hábito de jogar excrementos em autoridades. Os marqueteiros disseram que isso foi fundamental fixar a imagem do candidato. Hoje a coisa tá russa, com o perdão da palavra, e a indignação de dezenas de milhões sequer encontrou um animal de estimação/votação para chamar de seu. Será que até nossos simpáticos bichos caíram no descrédito por causa de propinodutos? Coisa triste. 

Quem sabe a gente vota na Fênix, a mitológica ave que quando morre entra em autocombustão e, tempo depois, renasce das próprias cinzas? A Fênix carregava cargas pesadas e até elefantes. Quem sabe ela, eleita, carrega para o oriente nossos estatais elefantes brancos? Fala sério, este espaço é público, de responsa. Cumprindo meu sagrado dever jornalístico, de compromisso com a sociedade, proponho solução do impasse eleitoral via candidato do além, que faria campanha através de um médium, a ser escolhido por nós. 

Sei lá, com todo o respeito, Getúlio, Tancredo, Brizola, Ulysses, Teotônio, Charles de Gaulle, Churchill ou Abraham Lincoln podiam baixar e tentar resolver os problemas desta terra que o saudoso brasileiro-londrino Ivan Lessa chamava carinhosamente de Bananão. Cartas para a redação, opinem, ajudem, coloquem seus tijolinhos na construção coletiva. Não me deixem só. O genial pensador Carlos Nobre dizia: quem é morto sempre aparece.   

A propósito... 

Os positivistas diziam que os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos. Aparicio Torelly, o Barão de Itararé, a batalha que não houve, simpático e sábio vovô da imprensa brasileira, disse: os vivos são cada vez mais governados pelos mais vivos. Acho que os mais vivos são governados pela Câmara Federal e pelos bancos. Entre os seres e os mundos visível e invisível, quem sabe vamos encontrar o caminho que nos levará para os píncaros do infinito. 

Tudo é possível neste mundo velho sem porteira de Deus, o céu é o limite. Mas disse o Barão de Itararé, de onde menos se espera é que não sai nada mesmo. Graças a Deus este espaço terminou e até deu um pouco para a minha bolinha. (Jaime Cimenti) - Jornal do Comércio 

(https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/08/643937-amor-a-roma-amor-em-roma.html)