terça-feira, 28 de agosto de 2018


28 DE AGOSTO DE 2018
CARPINEJAR

Mãe que encaminha filho para adoção não é desnaturada



Nunca cogitamos o outro lado, tão presos que somos em nossas dores, tão apegados a nossas cicatrizes. Não realizamos o difícil exercício da empatia, de sobrevoar a vaidade da desvalia e de colocar-se em um ponto de vista contrário às nossas escolhas.

Não há maior crueldade do que um filho posto para doação. Será?

Trágico é quando o filho é abandonado, largado na rua, berrando no frio, indefeso e frágil, suscetível a doenças, sem entender o que está acontecendo. Já testemunhamos trouxas de recém-nascidos em lixos, banheiros, valões, aterros.

O encaminhamento para adoção, diferentemente, não deixa de ser uma responsabilidade, alguém percebe que não conta com condições de criar a criança e repassa para aqueles que possuem mais recursos. É um processo legal, honesto, representa um direito, não implica nenhum crime.

Por mais sofrido que seja, não dá para desconsiderar a hipótese de que a mulher que repassa o seu filho é também muito mãe. Pois demonstra um senso de preocupação e de proteção para o seu bebê. Ela já expressa o instinto materno, procurando que o fruto do seu ventre tenha um futuro melhor, que não partilhe da sua vida sofrida e da mesma ausência de expectativas.

Não temos como antecipar o desespero ou o histórico para julgar decisões desse porte; porém, é claramente uma atenuante: existiu uma zeladoria emocional, um cuidado prévio, uma consciência das próprias limitações.

Não fez por mal, possivelmente acreditou que era o melhor a ser feito. Resolveu de acordo com a régua de seus medos.

Mas não destratou ninguém, não agiu de má-fé, não pretendeu incutir traumas e recalques, não teve a intenção de estragar uma alma nascente pelo abandono e orfandade, pensou que o ideal seria transferir a responsabilidade. Em vez de interromper a gravidez, interrompeu os laços posteriores.

Ainda que seja por motivos psicológicos e não somente financeiros, é necessário lembrar que tal gestante não foi leviana, que não foi inconsequente, que não encontrou uma outra alternativa - talvez não a mais corajosa - para garantir educação ao seu pequeno. Confiou a missão a uma nova família, uma vez que não podia confiar em si.

CARPINEJAR