05 de maio de 2015 | N°
18153
CARPINEJAR
Cavalo deitado
Eu não contei com nenhum exemplo,
ídolo, modelo de vida.
Alguém que pudesse me motivar a
colar cartazes atrás da porta do quarto ou que me botasse a correr por um
ingresso.
Nem na música, nem no cinema,
muito menos na literatura.
Alguém que fosse seguir
insanamente suas pistas e biografias, capaz de me pôr a participar de chats e
comunidades.
Alguém para repetir os gestos, o
riso, o carisma do olhar no espelho.
Nunca fui fã de carteirinha de
qualquer artista. Não tive aquela influência externa, que facilitasse uma
identidade e que poderia prestar uma homenagem no Facebook.
Com exceção de um cavalo. Um
cavalo branco, pálido como o leite, que observei na infância.
Um cavalo, sim!, eu inspirei a
minha vida num cavalo.
Quando tinha oito anos,
participava de um churrasco numa fazenda de amigos dos pais em São Borja.
E observei um cavalo estranho
abrir o portão com um meneio da cabeça, subir a estrada sinuosa de terra
batida, limpar as patas no capacho, entrar dentro do casarão e deitar na sala.
Montou guarda entre o sofá, a
mesa e a televisão, ocupando praticamente o espaço necessário para se
locomover.
Ele parecia uma pessoa. Não se
intimidou com a multidão no pátio, manteve o porte ereto e tranquilo, convicto
a protestar em pleno domingo.
Um cavalo revolucionário. Um
cavalo grevista.
Eu me espantei com a
imprevisibilidade da cena, e me belisquei para definir se não estava dormindo.
O cavalo entrou na casa do seu
dono, por algum motivo obscuro. Os mais velhos tentaram dissuadi-lo, levá-lo
dali pelo tranco das rédeas ou por palavras carinhosas, xucras, bravas, nada
produzia efeito.
O cavalo teimou em ficar.
Naquele pânico, no zunzum dos
convidados opinando sobre qual atitude adotar, ouvi de minha mãe a frase que me
serviria de lema:
– Cavalo deitado, ninguém
levanta!
Sou teimoso como aquele cavalo.
Turrão como aquele cavalo. Obstinado como aquele cavalo.
É só me dizer que não posso
fazer, que faço. É só me contrariar que aceito o desafio. É só falar que é
impossível que dou um jeito de tentar. As adversidades são estimulantes.