segunda-feira, 7 de novembro de 2016



07 de novembro de 2016 | N° 18680 
DAVID COIMBRA

Como ficar milionário comendo bem

No ano passado, o advogado aposentado Berry Brett foi jantar no Bistro Moderne, na Rua 44, em Nova York, um dos 10 restaurantes que o famoso chef francês Daniel Boulud administra na cidade.

Brett pediu um clássico da culinária gaulesa, o coq au vin. Junto com o pitéu, viria uma surpresa.

Esse prato é antigo de 2 mil anos. Em cinquenta e poucos antes de Cristo, o chefe Vercingetórix conseguiu reunir as historicamente desunidas tribos celtas e rebelou-se contra o domínio romano imposto por Júlio César. Mas César vinha, via e vencia. Com habilidade, velocidade e inteligência, cercou os gauleses em um desfiladeiro e Vercingetórix teve de se render. Como demonstração de respeito ao vencedor, Vercingetórix enviou a César um vistoso galo de briga, símbolo de seu povo. Por provocação, César mandou matar o galo e prepará-lo ao molho do tinto da região, o que foi feito por seu cozinheiro. Depois, convidou Vercingetórix para jantar e serviu-lhe a iguaria. O chefe gaulês ficou chocado, mas comeu mesmo assim e... adorou!

Ou seja: um dos principais pratos franceses na verdade é italiano. Isso prova o que sempre digo: a culinária italiana é superior à francesa, só que os franceses têm mais marketing.

De qualquer maneira, duvido que Berry Brett tivesse feito essa consideração, quando pediu coq au vin, naquela noite. Ele queria apenas se repimpar com um delicado prato francês. Mas, já nas primeiras bocadas, Brett sentiu que algo lhe havia raspado a laringe. Começou a sentir-se mal. Levantou-se de imediato e correu para o hospital. Lá, o médico retirou uma cerda de aço de 2,5 centímetros de sua garganta, proveniente de uma escova de limpeza de panelas.

Brett processou o restaurante. Na semana passada, a Justiça deu-lhe ganho de causa e condenou o chef Boulud a pagar-lhe US$ 1 milhão e 300 mil – 300 mil pelos ferimentos sofridos e 1 milhão para dar exemplo a outros restaurantes.

Esse tipo de sentença é comum nos Estados Unidos. A Justiça não apenas procura reparar danos, mas principalmente evitar novos danos. Funciona. Todo mundo toma muito cuidado quando presta um serviço. A piscina do meu condomínio só abre se tem salva-vidas. É uma piscina pequena, dá pé, mas, não adianta, eles não abrem sem salva-vidas. Se troveja lá adiante, o salva-vidas vem correndo e manda que todos saiam da piscina. Pela lei de Massachusetts, as pessoas só podem entrar na água meia hora depois de um trovão. Isso se não houver novo trovão. Uma chatice.

Nas ruas, nos postes, em frente às casas, ou nas placas de trânsito, é comum você ver escrita uma frase, depois da advertência de que algo é proibido:

“It’s the law”.

É a lei. Trata-se de um código, um recado que atravessa as mentes de pronto: se é a lei, não tem discussão. Não se faz. Ponto.

Os Estados Unidos são uma república judicial. A lei é o centro, a base, o cimento e o pilar da democracia. Como tem de ser em qualquer democracia. Ou não é democracia.

Nós, brasileiros, temos dificuldade em compreender que a lei é feita por nós através dos representantes que nós escolhemos para o Legislativo. E que o Executivo, também escolhido por nós, tem de fazer exatamente o que sugere o nome: executar as leis. E que o Judiciário, obviamente, julga pendências da sociedade a partir da lei que ela mesma (a sociedade) instituiu.