quarta-feira, 23 de novembro de 2016


23 de novembro de 2016 | N° 18695 
EDITORIAIS

DEBATE REALISTA


Parlamentares de oposição, lideranças sindicais, servidores públicos e até entidades empresariais manifestam contrariedade com o pacote de medidas de contenção de gastos e reestruturação administrativa apresentado pelo Piratini na última segunda-feira e encaminhado ontem à Assembleia. Todos têm os seus argumentos: uns alegam que determinada fundação não poder ser extinta porque é lucrativa, outros dizem que seu órgão público cumpre função social imprescindível, poderes denunciam desrespeito à sua autonomia, sindicalistas reclamam de perseguição, deputados oposicionistas antecipam o voto de rejeição e servidores acampam na Praça da Matriz para protestar. Tais reações eram previsíveis e, deve-se reconhecer, fazem parte do jogo democrático. Se não houvesse oposição, seria uma imposição.

Não é e nem deve ser. Ainda que o Executivo venha deixando claro que não tem outro caminho, o pacote está aberto para o debate público. E todas as vozes contrárias devem ser ouvidas, especialmente aquelas que acrescentarem alternativas às medidas propostas pelo governo, pois o que interessa é buscar saídas para tirar o Estado da crise. Só não valem soluções fantasiosas e incompatíveis com a realidade. É muito fácil, por exemplo, dizer que bastaria combater a sonegação para aparecer dinheiro suficiente para cobrir todas as despesas. Infelizmente, não é assim. Todos os governos, inclusive o atual, vêm empreendendo esforços para combater a sonegação, mas muitos desses débitos já se tornaram irrecuperáveis.

A melhor solução – não há quem discorde disso – seria o aumento da arrecadação, mas quem consegue fazer o motor da economia andar no ritmo desejado? Na realidade, as receitas só vêm diminuindo por conta da estagnação econômica do país.

Por isso, o governo está propondo um remédio tão amargo. Se o parlamento e os demais setores da sociedade conseguirem torná-lo menos intragável, ganharemos todos. Neste contexto, cabe destacar a importância do debate e do papel dos veículos de comunicação, que vêm oferecendo espaços a todas as partes para que manifestem seus posicionamentos, de modo que as divergências sejam resolvidas pelo diálogo, que é a forma mais civilizada de solucionar conflitos.

MANOBRA PELO CAIXA 2

Próximos da definição em plenário sobre o pacote anticorrupção, baseado em propostas do Ministério Público Federal, os deputados articulam na Câmara não apenas uma inaceitável anistia explícita aos crimes de caixa 2 eleitoral cometidos até agora como planejam uma votação de forma simbólica, que impediria o conhecimento pela população de como cada um vota. O objetivo, condenável, é evitar o desgaste de terem seus nomes vinculados à intenção de livrar quem usou dinheiro de campanha sem conhecimento do Judiciário. Por mais que essa alternativa viesse sendo usada por parlamentares de diferentes partidos, não há sentido num pacote anticorrupção que exclua a criminalização específica do caixa 2.

Não têm sido poucos os esforços dos legisladores para barrar no Congresso qualquer possibilidade de punição a políticos – muitos dos quais envolvidos na Operação Lava-Jato – que já recorreram ao uso do caixa 2, vedando o enquadramento da prática como corrupção ou lavagem de dinheiro. Em setembro, houve até mesmo uma tentativa de aprovação na surdina de anistia a alvos de investigações, que só não foi adiante porque alguns parlamentares preocupados com a ética denunciaram a estratégia.

Caixa 2 é crime, previsto no artigo 350 do Código Eleitoral. Por isso, as tentativas de isentar parlamentares que se valeram até agora desse mecanismo só podem ser vistas como “um tapa na cara”, pois revelam um “imenso desprezo” à população, na definição de um manifesto liderado por juristas de todo o país, divulgado recentemente.

A sociedade precisa ficar atenta às articulações na Câmara para preservar políticos que já se valeram de dinheiro não declarado ao Judiciário. É inconcebível que parlamentares continuem persistindo na ideia de que podem tudo, e de que punição só vale para os demais cidadãos, nunca para eles mesmos.