sexta-feira, 18 de novembro de 2016



18 de novembro de 2016 | N° 18691 
CLÁUDIA LAITANO

Mentirinhas


Digamos que em vez de fabricar a mulher perfeita em 3D ou viajar no tempo com uma caranga envenenada, um grupo de garotos com pouca grana e muita imaginação decidisse ganhar alguns trocados inventando notícias falsas – que, levadas a sério, acabariam ajudando um espertalhão a conquistar a presidência dos Estados Unidos. Verdade ou comédia adolescente dos anos 80?

Uma reportagem do Buzzfeed que veio a público uma semana antes das eleições americanas revelou que nada menos do que cem sites de noticiário político pró-Trump, todos com nomes que soam sérios e genuinamente americanos, foram criados em uma pequena cidade na Macedônia, nos confins da antiga Iugoslávia, por pirralhos de 17 anos que descobriram um jeito fácil de atrair cliques e dólares criando falsas notícias com altos índices de apelo de compartilhamento. 

Para eles, tanto faz se o presidente dos Estados Unidos é Darth Vader ou Kung Fu Panda, desde que uma quantidade considerável de almas influenciáveis lhes conceda graciosamente seus cliques e likes (e que alguém lhes pague por isso). Nunca saberemos o quanto esse vazamento de lixo tóxico no ambiente digital foi realmente decisivo para eleger Donald Trump, mas não é precipitado concluir que o jornalismo de mentirinha tornou-se um player político a ser levado a sério em todas as eleições a partir de agora.

Enquanto isso, longe dos Estados Unidos e mais ainda do interior da Macedônia, um jornalista brasileiro, daquele tipo que vai atrás da notícia e se esforça para contemplar todos os lados de um acontecimento, foi impedido nesta semana de trabalhar, tornando-se a vítima mais recente de uma cena cada vez mais comum: a violência e o intimidamento contra jornalistas. Caco Barcellos cobria o protesto de servidores públicos diante da Assembleia Legislativa do Rio para o programa Profissão Repórter, na última quarta-feira, quando foi agredido e atingido por um cone de trânsito – risco que nenhum falso jornalista jamais correu na vida.

O que um criador de boatos e um repórter de verdade têm em comum? Nada, a não ser o fato de que ambos abastecem as redes sociais, disputando a atenção fragmentada e volátil de um público confuso (pelo excesso de informações) e raivoso (pela instabilidade da vida cotidiana) que tem cada vez mais dificuldade para distinguir o jornalismo sério das notícias fabricadas em laboratório – tão falsas (e sedutoras) quanto a mulher perfeita programada eletronicamente por um gênio onanista.

A escolha do termo “pós-verdade” como a palavra-síntese deste ano não poderia ter sido mais eloquente – e melancólica.