sexta-feira, 11 de novembro de 2016



11 de novembro de 2016 | N° 18684 
CLÁUDIA LAITANO

Cavalo de pau

Por aqui, o aborto é um tema tabu, a violência contra as mulheres e os homossexuais é uma realidade cotidiana e a descriminalização das drogas não ultrapassou o papo de salão. Ainda assim, os brasileiros podem olhar para Barack Obama (55), nos Estados Unidos, e Justin Trudeau (44), no Canadá, e pensar que os dois são protótipos bem acabados de estadistas capazes de representar algum tipo de avanço real em relação à geração anterior – sonhando que, um dia, essa onda bata na nossa praia também.

Vocês conseguem imaginar algum dos presidentes que o Brasil já teve (ou tem) indo a público pronunciar-se a favor do casamento gay ou falando seriamente em cortar lucros para evitar o aquecimento global? Eu não, mas Obama e Trudeau nos fizeram acreditar que isso não é impossível. Nada a ver com esquerda ou direita, economicamente falando, mas com a identificação a um certo ideal iluminista (na falta de outra definição melhor) que oferece uma alternativa viável aos valores da tradicional família cristã – conservadora nos costumes, protecionista na economia, tribal na política e irresponsável na ecologia. 

Nesse sentido, Hillary e qualquer um dos candidatos republicanos à presidência americana seriam um recuo em relação a Obama. Donald Trump, por sua vez, não é um recuo, mas um cavalo de pau histórico.

Quem se identifica com líderes como Obama e Trudeau perdeu a jogada e recuou cinco casas, mas não saiu do jogo. A mesma eleição que levou Trump ao poder aprovou a legalização da maconha em sete Estados e elegeu a primeira governadora LGBT, no Oregon. Trump pode ser machista, xenófobo e de poucas luzes, mas provavelmente não será capaz de interromper a marcha da História.

Até agora, o mais assustador no pacote de recuos que devem vir por aí foi a informação de que o futuro presidente americano escalou uma criatura que não acredita na tese do aquecimento global (sim, essa espécie de brontossauro ainda existe) para liderar a equipe de transição na superpoderosa Agência de Proteção Ambiental (EPA). O planeta vai pagar caro se os próximos quatro anos forem desperdiçados, e tudo indica que serão.

Enquanto isso, inspiradas pela trumpicada americana, pequenas serpentes bicam a casca do ovo aqui no Brasil – ganhando forças para dar o bote em 2018. Durma-se com um barulho desses.