quarta-feira, 23 de novembro de 2016



23 de novembro de 2016 | N° 18695 
PEDRO GONZAGA


OS NELSONS

Era o saguão de um hotel no Interior, na época em que fazíamos cerca de cem shows por ano, de modo que é difícil lembrar quando e onde isso aconteceu. Há pessoas que lembram perfeitamente de fatos, outras de datas, outras de rostos, outras de coisas ditas. Para mim, sempre foi mais nítida a memória do espaço. Em geral, é por meio do espaço que consigo reviver os eventos antigos. 

Por ser capaz de voltar à casa em que pequenos passávamos o verão em Tramandaí – o quarto e o beliche em que dormíamos eu e meu irmão – é que posso lembrar de como, certa noite, despenquei da cama de cima, estatelando-me no chão. Gostaria de poder explicar os sobressaltos noturnos que até hoje me acometem a partir desse útil trauma, mas sei que são as assombrações vitais que não falham em madrugar, tão menos frequentes quando eu ainda era o jovem do saguão úmido no hotel do interior, com seus sofás de um verde abacatoso.

Assistíamos ao programa do Jô, melhor, vegetávamos diante da tevê, três ou quatro de nós, pois lá não havia tal facilidade nos quartos. De súbito, meu amigo Nelson Ebelt, um dos cantores da banda, e uma das pessoas mais originais que tive a sorte de conhecer, disparou diante da precoce celebridade que só fazia se vangloriar:

– Ninguém com menos de 40 anos devia dar entrevistas.

Diante de nosso espanto, sem demoras, concluiu:

– É preciso ter ganhado e perdido muitas coisas numa vida para que ela seja interessante.

Foi ao rever, dias atrás, um dos mais belos documentários já feitos, Buena Vista Social Club, que voltei ao sofá e ao Nelson. Cada um daqueles maravilhosos velhinhos tinha mais a dizer sobre a vida do que toda a galáxia de estrelas impúberes que seguem dominando as entrevistas.

Outro Nelson, o Rodrigues, aconselhava aos jovens que envelhecessem. Eu lembro de ler suas crônicas aos 20 anos e dar gargalhadas com a rabugice do velho. Na geração que passou a idolatrar a juventude, ele foi uma voz dissonante. Como bem aponta um documentário da BBC, Por que eu odeio os anos 60, foi a partir dessa época que astros como Mick Jagger começaram a ser chamados para opinar sobre tudo, de política a comportamento, quando mal tinham algo importante a dizer sobre si mesmos.

Apesar da demora, entendo, afinal, o que queriam os meus Nelsons. Envelhecer, para eles, era uma oportunidade de entender o que é estar no mundo, o sentido das experiências para além da vaidade de serem válidas por serem suas.

De volta a uma tela de agora, vejo um jovem que parece clamar, olhe para mim, eu sou a maravilha.

E eu me pergunto por quê.