quarta-feira, 30 de novembro de 2016


29 de novembro de 2016 | N° 18701
ARTIGO | DENIS LERRER ROSENFIELD*

 "NORMALIDADE"

Há uma exigência incontornável da sociedade brasileira hoje: a da moralidade pública.

Tudo o que foge desse parâmetro na vida política é, imediatamente, objeto de crítica, senão de execração. As reações são imediatas. Os partidos e os políticos que não souberem reconhecer esse dado de base estarão fadados ao fracasso.

Veja-se a indignação da sociedade em relação à autoanistia que um grupo de deputados e vários partidos, ocultamente ou abertamente, está tentando construir como se crimes eleitorais e outros pudessem ser simplesmente apagados.

A reação foi imediata, levando, inclusive, o próprio presidente da República a declarar publicamente ser contra tal medida.

Crimes políticos dos mais diferentes tipos não são mais perdoados. Casos que outrora poderiam ser considerados como menores, atualmente, possuem uma outra significação.

Característico desse contexto é o episódio envolvendo o agora ex-ministro Geddel. Em uma situação absolutamente bizarra, a República ficou completamente paralisada por causa de um apartamento na Bahia, como se o país não mais tivesse com que se preocupar.

O presidente da República, três ministros, a advogada-geral da União e um subsecretário da Casa Civil terminaram se envolvendo com os interesses particulares de um ministro incomodado com uma decisão administrativa que o contrariava.

É como se o governo tivesse entrado em crise. O gabarito de um edifício baiano terminou produzindo uma tormenta de proporções. Dois ministros renunciaram e o próprio presidente foi obrigado a se explicar.

Por que isto? Porque dois mundos não se comunicam, o da classe política, com seus costumes pouco afeitos à ideia do bem coletivo, e o da sociedade que clama pela ética na política.

Há duas noções de normalidade em questão.

Uma é a da classe política, que não viu nada de anormal no comportamento do ex-ministro Geddel, como se fosse algo corriqueiro. Foi preservado em um primeiro momento, pois o seu padrão de conduta caía em uma estranha noção de “normalidade”.

Outra é a da sociedade, para a qual a moralidade é um eixo central da vida pública. Exige que a política se paute pelo bem coletivo.

Ocorre que a classe política age segundo uma “normalidade” que não é reconhecida pela sociedade, que considera tal tipo de comportamento completamente anormal. É como se tivéssemos duas formas de vida que não se comunicam e, mesmo, se rechaçam. O preço a pagar por isto é alto.

*Professor de Filosofia - denisrosenfield@globo.com