segunda-feira, 14 de novembro de 2016



14 de novembro de 2016 | N° 18686
ARTIGO | CLÁUDIO FURTADO*

ACORRENTADOS NO LIXO

Pela onda crescente da violência, muita gente afirma que “bandido bom é bandido morto”. Não seria melhor “bandido bom é bandido recuperado”? Pelo menos, que tenha chance de recuperação. Só que estamos, ainda, muito distantes dessa possibilidade. A recente imagem de seres humanos acorrentados numa lixeira representa o fundo do poço da degradação humana. Nada contra os brigadianos, obrigados a tomar essa iniciativa extrema, a pedido até dos próprios presos, em razão do calor insuportável na emergencial viatura/ prisão. 

Tudo a favor dos soldados, que fazem um excelente trabalho, enfrentando todas as dificuldades possíveis, a partir de um salário bem abaixo do ideal, diante da imensa responsabilidade no dia a dia das ruas, quando arriscam suas próprias vidas pela nossa segurança. Protesto contra a realidade, cada vez mais escancarada, de um sistema prisional falido, que pouco recupera, e também pelas chagas sociais não resolvidas, jogadas para baixo do tapete da zona de conforto das classes mais favorecidas.

Não sou a favor de bandido. Pelo contrário, até já me inclino a aceitar penas extremas em casos de crimes horrendos e brutais, principalmente contra mulheres e crianças. Eu mesmo já fui assaltado e sei o que passa na cabeça de alguém que teve uma arma apontada para a sua cara. Só não concordo com a afronta, a indiferença, o desrespeito a qualquer ser humano, por pior que ele seja. Se errarmos, devemos pagar, sim, pelos nossos erros. Serve para os mais afortunados e, também, para aqueles que não tiveram tantas oportunidades assim na vida. Mas ninguém é senhor, dono de alguém, para concordar, ou pelo menos não se escandalizar com atos que ferem profundamente a dignidade alheia.

Para reduzir as desigualdades, que geram revolta e, em muitos casos, violência, estamos todos cansados de saber que os caminhos passam, inicialmente, por investimentos consistentes na área da educação e também na criação de oportunidades de trabalho. O restante, como a saúde, vem a reboque. Só não dá para esperar tudo do poder público. Cada um de nós precisa dar exemplo, contribuir com uma parcela de doação, mesmo que ela pareça insignificante diante de uma realidade com tantos problemas. 

Um necessário e urgente mutirão de solidariedade talvez comece em não achar normal que duas pessoas sejam acorrentadas numa lixeira, mesmo sendo bandidos. Por chegarmos neste ponto, de absoluta pobreza de espírito, o verdadeiro lixo tem se acumulado no passar dos anos, pelo nosso egoísmo, pela nossa profunda indiferença em relação ao próximo. E este lixo é produzido, dia a dia, pelo descaso de toda a sociedade.

*Jornalista