sábado, 10 de março de 2018



10 DE MARÇO DE 2018
J.J. CAMARGO

E NÃO PODIA SIMPLESMENTE DAR CERTO?

A geração criada na era da informação instantânea acabou adquirindo a noção equivocada de que essa instantaneidade se aplica igualmente ao sucesso e a tudo mais que o mundo pode oferecer de bom. Difícil fazê-la entender que ter uma virtude pode ser menos importante do que ser persistente na busca de um projeto de vida que resulte em felicidade. A tendência corrente é de inspirar-se em modelos de genialidade excepcional, esses exemplares raríssimos que, a partir de uma ideia criativa e brilhante, empenharam toda a energia e determinação para alcançar o sucesso. 

O que impressiona é a quantidade de jovens frustrados que nunca alcançaram o êxito fantasiado porque não tinham nem projeto nem perseverança para ralar o que fosse necessário para escapar da mediocridade. Como a frustração é via expressa para a revolta, temos essa geração de pusilânimes indignados porque a vida se nega em reconhecer-lhes o talento que, na opinião deles, é tão óbvio quanto a geração anterior lhes parece antiquada e obsoleta.

Passa o tempo, muda o perfil da juventude, mas esta tendência permanece: pais muito zelosos usualmente se esquecem de ensinar a importância do trabalho obstinado como único instrumento para a realização pessoal, e, numa equivocada tentativa de facilitar o caminho dos seus rebentos, enchem-lhes a trajetória de atalhos que a vida, implacável como ela é, se encarrega de bloquear. Outros, por terem tido infâncias sofridas que lhes obrigaram a enfrentar adversidades para sobreviver, supõem, baseados na teoria de um caso só, que esse é o modelo infalível para a produção de filhos destemidos e vencedores. 

Mas ignoram que a capacidade de sobreviver aos desafios sem fraquejar é uma qualidade pessoal que não necessariamente é transportável pelo DNA para as crias que amamos tanto. E, então, a tentativa pura e simples de transferência desses dotes individuais pode resultar em dupla mágoa: a dos pais, ao descobrirem que têm filhos frouxos, e dos filhos, ao perceberem a frustração que representam para aqueles a quem tanto queriam agradar.

Em The Crown, série da Netflix que relata a saga da família real inglesa, o jovem Philip, abandonado pelos pais e tendo perdido em um acidente aéreo tia e irmã, suas últimas âncoras afetivas, foi enviado para um internato com rigores de educação militar, na distante e gélida Escócia. Lá, enfrentou todos os tipos de bullying e desafios, mas descobriu-se um resiliente e construiu sua autoestima. Décadas depois, já como príncipe consorte, tomou para si a educação de seu filho Charles, o primeiro da linha sucessória ao trono da Inglaterra, e o entregou ao seu antigo mestre, no mesmo colégio escocês. Um adolescente tímido, Charles sofreu as discriminações imagináveis por ser quem era e por ter-se revelado um fraco. 

Diante da inflexibilidade do pai, apesar dos apelos da Rainha Elizabeth, o filho foi mantido neste desterro afetivo por quase seis anos, tendo descrito o lugar como um inferno na Terra. Diz-se que a Rainha nunca perdoou o marido por ter imposto ao filho amado essa massacrante provação. Mas parece provável que, adiante na vida, ela tenha dado razão ao marido, mantendo-se no trono por esses mais de 64 anos, apenas para evitar, de todas as maneiras, de expor ao mundo a fraqueza do filho. Por que, afinal, não é isso que os pais zelosos, com ou sem coroa, fazem todos os dias?

jjcamargo.vida@gmail.com - J.J. CAMARGO