segunda-feira, 12 de março de 2018


12 DE MARÇO DE 2018
L.F. VERISSIMO

Réquiem para a mão-boba

"Mão-boba" é o nome genérico do direito presumido dos homens de passarem a mão em mulheres sem pedir licença ou desculpa. "Passar a mão", no caso, engloba toda forma de invasão não autorizada da intimidade feminina, e às vezes nem inclui a mão. Pode ser com assovio (lembra quando se assoviava para mulher bonita que passava, de preferência mulher com corpo "tipo violão"?), com amassos sorrateiros, piadas safadas, ruídos sugestivos e olhares lascivos. 

Fora desaforos e o eventual tapa na cara, as mulheres não tinham como revidar à mão-boba. Resignavam-se a viver num inescapável universo masculino, com seus hábitos e privilégios de séculos. Forçando só um pouco a comparação, o direito de passar a mão do homem moderno equivale ao direito do senhor feudal de deflorar todas as noivas na sua noite de núpcias. Não era uma selvageria medieval, era uma tradição - que de algumas maneiras sobreviveu a todas as revoluções sexuais até hoje.

A última revolução sexual, em curso agora, é um ataque direto a velhos costumes do mundo machista. Não tem a ver apenas com tradições sexuais a serem abandonadas, é um protesto contra todas as convenções que discriminaram e oprimiram as mulheres através dos anos. A revolta contra o assédio sexual só ganhou mais destaque porque teve mais mídia, já que envolvia estrelas e magnatas de Hollywood, mas a lista de reivindicações femininas é longa. Inclui oportunidades no mercado de trabalho iguais às dos homens e salários iguais para trabalhos iguais e outras paridades. E mais respeito.

É aí que entra, sem segundo sentido, a mão-boba. Estamos assistindo ao seu ocaso. Nenhum homem consciente - o que exclui boa parte da população mundial, certo, mas deixa pra lá - se sente, hoje com poderes medievais sobre uma mulher, só porque ele é homem e ela é mulher. Está se convencendo de que a idade das trevas acabou.

INJUSTIÇA

Não bastasse darem o Oscar de melhor filme de 2017 ao pegajoso A Forma da Água, não foi sequer mencionada, o que dirá premiada, a atuação inacreditável de Brooklynn Prince no filme Florida Project. Ela mereceria um Oscar de melhor atriz mesmo que não tivesse apenas seis anos de idade.

L.F. VERISSIMO