terça-feira, 20 de março de 2018



20 DE MARÇO DE 2018
CARLOS GERBASE

A MÃE BOMBA


Em Pedaços, longa de Fatih Akin, com uma excelente atuação de Diane Kruger, que lhe valeu o prêmio de melhor atriz do Festival de Cannes, é um filme competente. Bem narrado, com clima sombrio, como deve ser uma história que mistura terrorismo, neonazistas e incompetência do sistema jurídico. Não discuto, portanto, seus méritos estéticos, muito menos a relevância de sua temática. Proponho uma reflexão sobre como a trama se resolve, o que, inevitavelmente, me levará a revelar o fim do filme. Se você, cara leitora ou caro leitor, quer assistir à obra de Akin sem saber como ela termina, pare de ler aqui.

O neonazismo é uma praga terrível. Ninguém com alguma consciência do que Hitler e seus cúmplices fizeram ao mundo pode ficar indiferente às manifestações - algumas bem explícitas, outras devidamente camufladas - de pessoas e organizações que pregam a volta do racismo, da xenofobia e da barbárie eugenista. A personagem de Diane Kruger é uma mãe que perde seu marido e seu filho num atentado neonazista. Quando um tribunal de primeira instância, numa decisão absurda, inocenta os terroristas de extrema-direita, ela decide fazer justiça com as próprias mãos.

Já vimos muitos filmes assim, estrelados por Charles Bronson e Clint Eastwood. A vingança, praticada de forma violenta e pessoal, é um dos mais frequentes temas de Hollywood, o que certamente agrada a Trump, à Associação Nacional do Rifle e aos fascistas em geral. Em Pedaços não só se alinha a esta tradição como propõe uma espécie de desculpa para o assassinato: a vingadora morre junto com suas vítimas. E daí? Embora seja possível compreender a dor de uma mãe que, após uma perda terrível, resolve cometer um duplo homicídio e suicidar-se, isso não torna sua ação mais ética. Continua sendo uma assassina.

Não podemos condenar atentados cometidos por homens-bomba, mulheres-bomba e crianças-bomba, que vitimam centenas de inocentes por ano no mundo todo, e aplaudir essa mãe-bomba. Ou acreditamos num sistema legal que, mesmo com sua lerdeza e eventual incompetência, está encarregado de fazer justiça, ou caímos nos braços de quem quer dar fuzis aos professores. Escolha seu lado. Em Pedaços parece ter escolhido o seu. Eu estou do lado oposto.

CARLOS GERBASE