segunda-feira, 19 de março de 2018


19 DE MARÇO DE 2018
L.F. VERISSIMO

O começo


Stephen Hawking se queixava de que a pergunta que mais ouvia sobre o começo do universo era o que havia antes do Big Bang que dera origem a tudo. Do nada se criara toda a matéria, segundo a teoria do Big Bang. Mas o que havia antes da grande explosão? Se o nada é a ausência de tudo, também é a ausência do próprio nada? Hawking explicava que havia matéria antes da matéria, o continuum preconizado por Einstein, fechado em si mesmo como um 8 deitado, e do qual nada escapava, nem tempo. 

E que não tinha nada a ver com o Nada do pré-Big Bang e o começo do tempo como nós o conhecemos, portanto não deveria nos interessar. Hawking recorria a um exemplo para responder à pergunta reincidente sobre o começo do mundo: quem chega ao Pólo Sul com a intenção de ir sempre para o Sul chegará a um ponto zero após o qual não há mais Sul. Deve-se pensar no nada antes do Big Bang como o Sul desaparecido, apenas.

"Bereshith" é a primeira palavra da primeira frase do primeiro capítulo da Bíblia e quer dizer, em hebraico, "no começo". No começo, criou Deus os céus e a terra. É uma palavra tão cheia de significados, que, em hebraico, dá nome a todo o Gênesis. 

Na Bíblia, ela vem precedida de nada, apenas do grande silêncio antes da explosão inaugural. Hawking nos instrui a ignorar o nada do Einstein e o silêncio pré-criação e toda a ficção bíblica, mas "bereshith" nos arrebata com sua força mística. O Big Bang como uma encenação espetacular da vontade de Deus, ou o "bereshith" como uma interpretação poética do Big Bang, por que não? Criacionistas e evolucionistas compartilhariam o mesmo começo.

Mas a Bíblia tem outro começo. Evangelho de São João. Novo Testamento. "No começo, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus." Interpretações à vontade. Talvez a criação como fruto de um intelecto divino - "bereshith" despido do misticismo -, sobre a qual Hawking e Deus poderiam conversar numa boa.

L.F. VERISSIMO