sexta-feira, 30 de março de 2018


30 DE MARÇO DE 2018
DAVID COIMBRA

Como preparar uma nação



Há muitas maneiras de se fazer uma nação. Não existe uma única receita, como se fosse estrogonofe. Até porque nem estrogonofe tem uma única receita. Uns botam cogumelo, outros servem com batata palha e há quem flambe. Eu flambo. Sempre flambei e sempre flambarei.

Você diria, talvez, que para se fazer estrogonofe é preciso indispensavelmente carne, creme de leite e arroz, e para se fazer uma nação é preciso indispensavelmente pessoas falando a mesma língua em cima da mesma porção de terra. Quanto ao estrogonofe, você estaria certo. Quanto à nação, não. O povo judeu construiu uma nação que varou milênios sem dispor de uma porção de terra sua e sem uma língua identitária. O povo judeu fez sua nação usando como principal ingrediente um livro, a Bíblia. Não por acaso, os judeus são chamados de "o povo do livro".

Só que, é evidente, sem terra fica mais complicado. Melhor com.

Para se fazer uma nação, facilita muito se sua eventual porção de terra é cercada por água. Ou seja: se é uma ilha. A Inglaterra tem essa vantagem. Suas fronteiras não aumentam nem diminuem. É só aquilo, e pronto. Essa condição também é ótima para se defender, que o diga a Invencível Armada Espanhola, que foi vencida antes de chegar à terra da Inglaterra, no século 16.

Há uns quatro ou cinco anos, a Scotland Yard divulgou um número impressionante: a polícia londrina havia disparado apenas dois tiros em um ano. Espantoso para nós, mas não para os ingleses. Afinal, até o começo da era do terrorismo islâmico, os policiais britânicos andavam desarmados e não tinham medo de confronto com bandidos com metralhadoras e bazucas como no Brasil, porque é quase impossível contrabandear armas para a ilha. Por quê? Exatamente porque se trata de uma ilha. No Brasil, há de se vigiar uma imensa e porosa fronteira. Na Inglaterra, há só água.

O mesmo acontece no Japão, que não é uma ilha, são várias. Estando lá longe, onde o sol nasce, o Japão se beneficia da homogeneidade que lhe propicia o isolamento. Então, a taxa de crimes é ridícula entre os japoneses. Se um japonês acha uma nota de cem na rua, o que ele faz é levá-la à delegacia mais próxima. A polícia guarda a nota e, quando alguém chega dizendo que perdeu cenzinho naquele lugar, eles apresentam a cédula:

- Está aqui o seu dinheiro. Chega a ser irritante.

Portanto, se você pretender fazer uma nação, prefira usar uma ilha, como a Inglaterra, ou um arquipélago, como o Japão. Você também terá o proveito de que a população comerá muito peixe, o que é saudável e não engorda. Se bem que isso só funcionou no Japão. Na Inglaterra, eles inventaram aquele fish and chips, que não é saudável e engorda.

Mas, infelizmente, não há muitas ilhas disponíveis. A maior parte do planeta é de terra ligada a mais terra, os chamados continentes. É o nosso caso, do Brasil. Ainda assim, tivemos sorte: temos uma língua comum que nos diferencia de todos os outros povos do continente e a nossa porção de terra, em formato de um gracioso buquê de flores, torna lógica a definição geográfica do país. Além do mais, nosso povo é mais homogêneo do que nós mesmos acreditamos.

Existem, sim, tipos brasileiros com características próprias, forjadas em dezenas de anos de alquimia étnica. Note que, no Brasil, os fluxos migratórios se encerraram há quase um século. Só bem recentemente é que chegaram pequenos grupos de haitianos e africanos. De resto, somos os mesmos desde o século 19, enquanto que, nos Estados Unidos, por exemplo, o fluxo migratório não cessa nunca, apesar dos esforços de Trump.

Houve, porém, um problema que nos atrapalhou. Do qual tratarei amanhã.

DAVID COIMBRA