sábado, 17 de março de 2018


17 DE MARÇO DE 2018
INFORME ESPECIAL

O infinito de Hawking



Desde que o conheci em televisão, eu acho, tive admiração por ele. Nada entendo de física nem de nenhuma das chamadas matérias ou ciências exatas. Nisso minha pobreza mental é quase absoluta e, se não cuido, erro na calculadora. Meu território sempre foram palavras, espaços brancos, silêncios ou falas. Mas eu admirava sua tenacidade, seus dois casamentos, seus filhos, sua vontade de viver e, acima de tudo, seu humor.

Dizem algumas matérias de TV que sua segunda mulher, uma enfermeira, o maltratava fisicamente, até que a filha dele a denunciou, e se separaram. Mas parece que Hawking não quis processá-la. Essa breve notícia, de que eu não sabia nem tenho provas, me levou a pensar mais uma vez em como somos todos uns pobres diabos, mesmo sendo maravilhosos como ele.

O filme me comoveu, muitíssimo. Suas apresentações públicas são igualmente impactantes, aquele morceguinho encolhido, torto, deformado e cada vez de rosto mais feio exalando tanto brilho, tanta humanidade ("Olhem as estrelas, não seus próprios pés") e afetividade ("O espaço infinito é fascinante, mas o melhor nele são as pessoas amadas").

E nós, que tão facilmente nos queixamos da vida, bem que podemos pensar nesse quase miraculoso cientista com suas dificuldades para nos sentirmos uns felizardos. Tempos atrás, conheci uma pessoa que dizia: "Quando a gente se queixa muito, vale a pena parar e refletir: é tragédia ou chateação, isso de que me queixo? Noventa por cento das vezes, é apenas chateação".

Pois Hawking viveu fisicamente uma tragédia quase inacreditável, sustentado pelo facho de luz de sua mente, e de seus sentimentos, sua força interior, sua crença na vida, certamente o afeto de mulheres, filhos, colegas, discípulos e amigos.

De todas as coisas divertidas que me fizeram gostar ainda mais dele nesses dias, esteve o diálogo incrível com jornalistas que lhe perguntaram: "Professor, nesse fascinante espaço infinito que o senhor tanto estuda e desvenda, o que o deixa mais intrigado?".

Resposta dele, rápida, espontânea, daquelas de deixar boquiabertos e mudos a todos nós que, tantas vezes mal-humorados, rabugentos ou pretensiosos, certamente procuraríamos algo devastadoramente inteligente para dizer: "As mulheres".

Não sei se, singrando agora esses espaços, ele encontrará alguma figura feminina que o fascine, intrigue, apaixone. Vênus, a Lua, ou alguma dessas constelações com nomes lindos como Andrômeda e Cassiopeia. Mais provavelmente, coisas muito mais incríveis, que ele estará agora mesmo curtindo, enquanto nós, pobres mortais, com nossos corpos saudáveis e mentes embotadas, nos matamos no trânsito, nas discórdias de família e amigos, nas chatices de trabalho, na nossa própria incapacidade de apreciar mais intensamente o bom, o belo, o amoroso, o misterioso que nos cercam, e que enxergaremos quando, em lugar de fixar nossos pés como crianças emburradas, começarmos a contemplar estrelas. Por mais difícil que seja.

TULIO MILMAN