sábado, 1 de setembro de 2018


1 DE SETEMBRO DE 2018
MÁRIO CORSO

A função das máscaras

A ideia de ser um farsante, de estar representando para os outros, e não saber bem qual seria seu verdadeiro eu, é queixa recorrente em quem procura terapeutas. Na maioria das vezes, não aponta uma patologia, apenas são pessoas que intuem como funciona nossa psique. Afinal, somos uma coleção de identificações bem ou mal amarradas.

Por fora somos um, por dentro a pluralidade impera. Os restos amorosos deixam identificações parciais, temos um pouco de todos os que já amamos e admiramos. As primeiras paixões deixam marcas mais fortes, por isso nos parecemos com pais, avós e tios. Mas pode ser lateral, dos irmãos e amigos queridos, também roubamos traços de identidade para montar o mosaico que nos tornamos. Mas isso não esgota as divisões internas, também temos partes que não reconhecemos como nossas por seu conteúdo agressivo ou sexualmente desviante.

Viver em sociedade requer encarnar papéis, especialmente os profissionais pedem comportamentos padrões e roupas adequadas ao cargo. Como não teríamos a impressão de estarmos atuando, com uma máscara social para cada ocasião?

Dessa pluralidade de si resulta nosso fascínio por máscaras. Para representar partes negadas por assustadoras, sinistras, de uma comicidade constrangedora, ou fantasias de onipotência, todas as culturas desenvolveram máscaras para expressar nossas outras faces. Ainda existem máscaras para afastar o mal, assustar os inimigos - reais ou imaginários - ou encarnar espíritos.

Por sorte, está em exposição um sem-número de possibilidades do mascarar- se. Visite a Etnos - faces da diversidade, no Santander Cultural, a mostra vai até o dia 7 de outubro. Absolutamente imperdível.

Colocar uma máscara livra-nos, e aos outros também, da dúvida, da decifração. Por isso invejamos nas máscaras suas certezas e ficamos nos cobrando parecer-nos com elas. Cada um daqueles objetos da exposição serve para - pelo menos em uma festa, brincadeira, rito, ou cerimônia - viver a completude de ser uma coisa só.

A curadoria de Marcello Dantas foi feliz em colocar todas as peças no mesmo plano. Estão lado a lado amostras de várias sociedades tribais, passando por máscaras do Carnaval de Veneza, do dia dos mortos mexicano, até exemplares da cultura pop atual. Estão dispostas de tal forma, que não há hierarquias, não há linha do tempo, não há agrupamentos históricos muito claros, cada uma vale por seu impacto estético. O efeito é escancarar a universalidade do uso do mascarar-se, e mostrar como, apesar de sermos diferentes, compartilhamos comportamentos.

Saímos da exposição concernidos da unidade da humanidade dentro da diversidade. Coisa rara neste tempo que explora, marca e sublinha nossas diferenças, e não nossa alma comum.

MÁRIO CORSO