sábado, 8 de setembro de 2018



08 DE SETEMBRO DE 2018
CLAUDIA TAJES

Sobre apertos e feiuras

Duros e complicados têm sido os dias para boa parte das pessoas. Poucos estão conseguindo viver sem atrasar nenhuma prestação, sem empréstimos para pagar a juros de perder o sono, sem aquele consignado que, na hora, parece um bom negócio, mas que dói, como dói, quando o salário chega. Isso quando o salário chega. Com os malfadados parcelamentos, há quem sequer note que o salário entrou na conta, tantas são as dívidas comendo o pouco que cai ali. Não faz muito, um leitor me escreveu dizendo que é preciso compreender o parcelamento. E o banco, será que compreende?

Pausa para uma rápida digressão. Não tenho a menor simpatia por banco algum, mas adoro todas as minhas gerentes da era pré-atendimento digital. Samantha, Angélica, Bruna e tantas outras, que saudade de vocês. Antes de sumir com seus gerentes - e sobrecarregar os poucos mantidos nas agências -, os bancos costumavam trocá-los tão logo a gente desenvolvia com eles uma relação menos impessoal. Um belo dia, lá estava um funcionário desconhecido no lugar de quem te entendia tão bem. Por vezes, a sorte ainda ajuda os insistentes. 

Recentemente, conheci o Mirto, que se aposentou tão logo começou a me atender - talvez por desgosto. Também tive uma ótima experiência com a Eneida e o Diego. Na semana passada, depois de uma triste confusão que quase terminou com o banco tomando as minhas ceroulas, que eu nem uso, a Aline conseguiu resolver tudo da forma menos dolorosa possível. Não sem o meu sangue, mas seria muito pior sem ela. Nada como uma pessoa de verdade em lugar de um sotaque paulista ao telefone: enteeeeeindo, mas não posso ajudar. Às gerentes, bancárias e bancários que se viram nos trinta, cara a cara com o cliente, aquele abraço.

Voltando ao aperto. Quem trabalha sabe direitinho para onde vai cada pila gasto - e porque a conta não fecha no fim do mês. Uma amiga atira os boletos para cima e paga os que pegar. Os outros, depois ela vê. De certo mesmo é que ninguém serve lagosta no almoço se, com isso, não sobrar para vestir os filhos. Já em um país, cidadãos não têm hospital, crianças não têm escola, museus não têm manutenção, mas juízes e políticos têm aumentos e regalias que, melhor destinados, resolveriam muita coisa. Não há obviedade maior, mas não para quem decide os rumos do dinheiro. 

A gestão do vampiro morto-vivo, mais morto que vivo nesses meses que antecedem seu desaparecimento para sempre, investiu menos no museu incendiado (R$ 205.821,00) do que a Câmara dos Deputados prevê para lavar seus 83 veículos oficiais em 2018 (R$ 563 mil). Para manter o Palácio do Alvorada, onde ninguém mora desde que o vampiro & família não curtiram a decoração, são gastos R$ 500 mil. Por mês. Outro dado de cair os butiás: apenas um par de brincos da ex-primeira dama do Rio, o espeto de turmalinas, custou mais (R$ 612 mil) do que manter um museu de 13 mil metros quadrados por um ano.

Não que na nossa casa a situação seja muito diferente. Enquanto o Teatro Amazonas na distante e, dizem, menos civilizada Manaus, oferece visitas guiadas de quinze em quinze minutos, o nosso lindo São Pedro agora só abre em dias de espetáculo. O café, de longas filas de espera nos bons tempos, não existe mais. Não fosse a Associação dos Amigos dos Theatro São Pedro, tudo seria ainda pior. 

Por isso os valentes sucessores da dona Eva Sopher seguem na luta para aumentar o número de associados. Informações aqui: www.teatrosaopedro.com.br/aatsp. A cidade vê espaços tradicionais se deteriorarem até o fechamento, caso do Teatro de Câmara. A Usina do Gasômetro, que já foi um complexo de salas, aguarda uma prometida reforma. Os outros teatros públicos, ainda que em condições precárias, seguem resistindo. Até quando, eis a questão.

Na segunda-feira pós-comoção com a destruição do Museu Nacional, outra notícia chocou tanto quanto o incêndio. Nenhum estado brasileiro atingiu a meta do Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Pior: entre os cinco que regrediram, está o Rio Grande do Sul. Mais um péssimo resultado para se juntar a outro, divulgado em agosto. Enquanto 5,7% das crianças e jovens entre 4 a 17 anos estão fora da escola no país, no nosso estado o índice pula para 16,8%. E mais não digo para não estragar o fim de semana dos meus queridos leitores. Mas que a coisa é feia e vem se debruçando, para usar uma expressão do clássico Dicionário de Porto-Alegrês do professor Fischer, ah, ela é.

CLAUDIA TAJES