quinta-feira, 13 de setembro de 2018


13 DE SETEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

A histórica entrevista de Maicon


Há quem resmungue que o ambiente do futebol é podre, nauseabundo, frequentado por gente com deficiência de caráter et cetera.

É diametralmente o contrário. Algumas das melhores pessoas que conheci vivem no meio do futebol. A falta de caráter, a ganância e a vaidade existem no futebol, claro, como existem em qualquer outra atividade humana. A diferença é que, no futebol, é bem mais fácil encontrar gente que se move por outros valores, além dos expressamente materiais.

Isso tem lógica: é que, em geral, as pessoas trabalham com futebol por amor. O dirigente, pejorativamente chamado de cartola por ser um suposto patrão interesseiro, é, antes de tudo, um torcedor. Muitas vezes o maior dos torcedores, já que ele se dedica ao clube, às vezes sem retorno financeiro. O jornalista, em geral, um dia foi um menino encantado pela bola. E até o empresário, que está nessa mais pelo dinheiro, começou nessa por prazer.

Mas é evidente que o personagem mais importante deste mundo é o jogador. O jogador é que faz com que todos os outros sonhem, porque todos os outros gostariam de exercer o que exerce o jogador.

Antes, nos albores do futebol, o jogador era como qualquer torcedor, apenas um diletante. Ele gostava de jogar e jogava bem, por isso os clubes o chamavam. Mas, com a profissionalização, muitos se transformaram em meretrizes da bola. Eles vão com quem paga mais.

Mas não todos.

Alguns compreendem que o verdadeiro profissional é um amador. Que há outros valores mais importantes do que o dinheiro que se derrama na conta bancária a cada início de mês, e que, em geral, se derrama em catadupas. Esses, os que alcançam essa compreensão, esses são os grandes.

Vou citar dois, que ora atuam na dupla Gre-Nal: D?Alessandro e Maicon. Já contei algumas vezes, e conto de novo, que, ao contratar D?Alessandro, Fernando Carvalho viajou a Buenos Aires para informar-lhe o seguinte:

- Lá, o importante é ganhar do Grêmio.

D?Alessandro, perspicaz que é, entendeu a enorme verdade disso e tornou-se um gigante nos Gre-Nais. D?Alessandro simula binóculos com as mãos para dizer que o Grêmio está lá atrás, a distância, D?Alessandro carrega um caixão de papelão para dizer que o Grêmio morreu, D?Alessandro está há 10 anos lutando contra o Grêmio, desafiando o Grêmio, provocando o Grêmio, e, agindo assim, respeitou o seu torcedor e o seu clube. Mais: agindo assim, ele respeitou, principalmente, o Grêmio e os gremistas.

Na terça-feira passada, Maicon concedeu uma entrevista coletiva histórica, um diamante do futebol, em que responde à provocação de um jogador do Inter, Dourado, mas, além disso, luta contra o próprio Inter, desafia o Inter, provoca o Inter. Agindo assim, Maicon respeitou o seu torcedor e o seu clube. E também, e sobretudo, o Inter e os colorados.

A entrevista de Maicon foi tão importante, que pode reverter uma tendência de declínio que o time do Grêmio enfrentaria depois do Gre-Nal.

Mas é ainda mais do que isso. Maicon elevou-se como jogador e como capitão, porque mostrou que ele não está fazendo o que faz só pelo dinheiro. Não é um desses indiferentes, que pouco ligam para o que sente o torcedor, desde que lhes venham os dólares e os reais e os euros da vida mundana.

Como D?Alessandro, Maicon compreendeu o tamanho da rivalidade Gre-Nal e está se comportando à altura dela. E, não, ele não está incentivando a violência. O violento não precisa de incentivo. Nem de motivos ele precisa - a causa da sua violência está sempre a serviço da violência, e não o contrário.

Entender a rivalidade e ser a favor dela não é ser a favor da violência ou da cizânia. A rivalidade, para os clubes, é como a concorrência entre as empresas. A rivalidade e a concorrência engrandecem. Grêmio e Inter são grandes pela rivalidade. Por jogadores como D?Alessandro e Maicon. Que são mais do que jogadores. São homens.

DAVID COIMBRA