quinta-feira, 27 de setembro de 2018


27 DE SETEMBRO DE 2018
L.F.VERISSIMO

Exílio 


Não estou sugerindo nada, mas por pura coincidência tenho relido trechos do livro de Edward W. Said intitulado Reflections on Exile, em que o crítico e ensaísta reflete sobre vários tipos de desterro. Said ficou famoso com o livro Orientalismo, sobre os clichês e lugares-comuns do pensamento europeu a respeito do Oriente Médio, e notório por ser o único não judeu - ele era palestino - da elite intelectual de Nova York, o que não impediu que fosse respeitado mesmo por quem não concordava com suas posições políticas. 

Nas suas reflexões sobre o exílio, Said se concentra nos efeitos do expatriamento, se é que existe a palavra, no mundo literário, começando pelo protoexilado Dante, banido de Florença, e incluindo o autoexilado de Dublin James Joyce, o longe da Irlanda Beckett, o longe da Rússia Nabokov, os longes dos Estados Unidos Hemingway e Fitzgerald, todos os corridos de suas terras pelas ondas fascista e comunista, e o pai de todos os transplantados, Joseph Conrad, o polonês com o melhor texto em inglês que se conhece.

Fora do mundo literário, o exílio perde toda a conotação intelectual ou romântica. Sobra a realidade trágica das migrações de multidões fugindo da fome e da guerra. O crítico George Steiner, citado por Said, chegou a propor que boa parte da literatura ocidental moderna é "extraterritorial", uma literatura feita por exilados ou sobre exilados, simbolizando a era dos refugiados que começou no fim do século 19, nos estertores do colonialismo, e desde então só ficou mais terrível. 

Nas categorias de exilados arrolados por Said, fora as vítimas do nazismo e do stalinismo, todos se exilaram por iniciativa própria, mesmo que a iniciativa fosse incentivada. Como no caso do Brasil depois do golpe de 1964, quando recebemos a ordem de amar o Brasil ou deixá-lo. Amar o Brasil, no caso era amar a ditadura.

Você eu não sei, mas eu estou fazendo planos para qualquer eventualidade. O mais irrealizável e por isso mesmo mais atraente é desenferrujar meu saxofone e ir tocar no metrô de Paris, para garantir o croissant das crianças.

L.F.VERISSIMO